TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

408 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL invocação da sua superioridade hierárquica como fonte de direito (a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é hierarquicamente superior ao Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, que aprovou o EBF). 8. Mas a AT, na sua atuação, não pode deixar de procurar, por todos os meios, evitar essa violação de princípios do EBF que não só prejudicou já, em concreto, as SGPS, como, mais genericamente, ao minar a confiança que em situações similares futuras o artigo 11.º e o artigo 14.º do EBF podem merecer aos sujeitos passivos, coloca em xeque todo o edifício dos próprios benefícios fiscais, deteriorando a sua função incentivadora de objetivos extrafiscais. (…) 14. De uma outra perspetiva, diremos que a interferência unilateral, abrupta e imprevista num só benefício fiscal deveria, em total coerência de princípios, conduzir a uma de duas conclusões: – a de que o Estatuto dos Benefícios Fiscais ficou implicitamente derrogado; – a de que a permanência em vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais prova que tal interferência foi ilegal. 15. Optamos pela segunda conclusão, porque é ela que melhor se coaduna com os vários planos de ilegalidade que fomos analisando sucessivamente: – da violação de princípios constitucionalmente consagrados; – da omissão de medidas de mitigação de efeitos de violações de princípios constitucionalmente protegidos; – da interpretação desconforme com princípios constitucionalmente consagrados; – da incongruência de comportamento na interpretação e aplicação de normas legais, e finalmente; – da violação direta de preceitos que ainda estão em vigor no Estatuto dos Benefícios Fiscais. 16. Por contraste, afigura-se que a requerente agiu não apenas guiada e incentivada pelo disposto na lei – mormente o regime das SGPS e o regime contido no Estatuto dos Benefícios Fiscais –, como também tendo em expectativa resultados expressamente positivados e queridos pela lei; não havendo, assim, qualquer margem para a qualificação dos seus comportamentos e das suas expectativas como ilegítimas, ilegais ou eivadas de má-fé. 17.As ilegalidades assinaladas não foram, em suma, isentas de consequências a todos os níveis – todas as consequências que fomos identificando. Afigurando-se óbvio que a requerente só permaneceu na titularidade das partes de capital social que detinha até 31 de dezembro de 2013 porque perspetivava a continuidade do com- portamento estatal, a requerente foi totalmente surpreendida com uma revogação daquele benefício fiscal com que contava, frustrando-se a confiança que depositava nas Leis que salvaguardavam aparentemente a sua posição, vendo perdidos os investimentos de confiança que realizara com decisões tomadas à sombra daquele quadro legal em que confiou, e vendo ser-lhe negada, seja por omissão insólita da Lei, seja por uma não menos insólita recusa da AT, qualquer forma de remediar os efeitos ilegais e iníquos – que, por serem iníquos, custa a aceitar que tenham sido devidamente ponderados pelo legislador –, de perda de valores tributados em função de uma contrapartida prometida, dentro de regras de jogo de todos conhecidas – muito relevantes dadas questões de intertemporalidade e de alongamento do horizonte temporal de alocação de decisões económicas – e que foram abruptamente desres- peitadas através da interrupção do próprio jogo.» Os fundamentos invocados no trecho da decisão recorrida acima transcrito dão claramente conta de que o tribunal a quo, partindo do pressuposto – aliás equivocado, atento o disposto nos artigos 204.º, 209.º, n.º 2, e 280.º da Constituição – de que, na declaração do direito ao caso, deveria «cingir-se a um juízo de legalidade», optou por não formalizar a recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, do artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, e, por essa razão, apesar de entender que a apontada ofensa à Consti- tuição determinava, por si só, a ilegalidade dos atos administrativos impugnados, não quis deixar de aduzir outras disposições – no caso, legais – para sustentar a invalidade dos mesmos.

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