TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

405 acórdão n.º 638/20 11. No âmbito de tal indagação, a premissa de que deverá partir-se é a de que os recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, se podem ter por objeto a recusa tanto expressa como implícita da aplicação de normas, apenas serão neste segundo caso admissíveis se tal recusa, apesar de não formalizada na decisão recorrida, se encontrar efetivamente subjacente ao juízo decisório formulado pelo tribunal a quo, isto é, se constituir um elemento imprescindível da solução jurídica pelo mesmo acolhida ou do percurso lógico-argumentativo que nela vai implicado. Deste ponto de vista, determinante é que, de acordo com a própria estrutura do juízo decisório que pode objetivamente surpreender-se na decisão recorrida, a solução adotada não possa ter deixado de passar, do ponto de vista da sua racionalidade jurídica intrínseca, pela recusa de aplicação da norma em causa com fundamento em inconstitucionalidade. Nesta hipótese, em que o apelo à Constituição constitui uma con- dição indispensável para afastar a sujeição do caso à incidência da norma que de outro modo se prefiguraria como aplicável, o conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade não só é útil, como constitui a única via para impedir o trânsito em julgado na ordem dos tribunais comuns de uma decisão cujo sentido se baseou exclusivamente num juízo de inconstitucionalidade ou em fundamento dele inarredável. O que – note-se ainda – se tornará especialmente evidente se a norma desaplicada for «a que corresponde ao enten- dimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, da mesma» (Acórdão n.º 500/96) e tiver sido aplicada na decisão que o tribunal recorrido, com esse exclusivo ou primacial fundamento, critica e revoga. 12. A questão apreciada pelo tribunal recorrido consistiu em saber se deveria obter provimento a preten- são da aqui recorrida A., S.G.P.S., S.A. a ver reconhecida a ilegalidade do ato de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2014, na parte em que não fora autorizada a dedução, ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do Esta- tuto dos Benefícios Fiscais (adiante designado «EBF»), dos encargos financeiros suportados nos exercícios de 2003 a 2013 com a aquisição de partes de capital ainda detidas por sociedades do grupo em 31 de dezembro de 2013, em consequência da revogação daquela disposição pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. Para responder a tal questão, o tribunal recorrido começou por analisar a natureza do benefício fiscal concedido às Sociedades Gestoras de Participações Sociais (adiante designadas «SGPS») na tributação de mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes de capital de que fossem titulares por período não inferior a um ano, previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. Segundo este preceito legal, na redação vigente à data em que foi revogado, as «mais-valias e as menos- -valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.» De acordo com o tribunal recorrido, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, consagrava um «regime de carinho e proteção fiscal aos grupos de sociedades» através da atribuição de um benefício condicionado, assente numa lógica de bilateralidade: a isenção fiscal sobre as mais-valias realizadas pelas SGPS através da alienação das partes de capital tinha como condição a desconsideração dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição na formação do lucro tributável das SGPS e a desconsideração destes encargos para efeitos de apuramento do lucro tributável no exercício correspondente tinha como contrapartida a efetivação daquela isenção. Atentando no arco temporal de formação e verificação de mais e menos-valias no seio de grupos de sociedades, o tribunal recorrido sublinhou o facto de a isenção do imposto e a desconsideração dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais não serem de verificação sincrónica: na falta de previsão especial, tais encargos financeiros deveriam, em cada exercício, ser identificados, contabilizados e desconsiderados para efeitos de tributação, até que o sujeito passivo obtivesse, com a alienação das partici- pações sociais a que estes encargos tivessem correspondido e a eventual realização de mais-valias, um ganho adicional advindo da isenção tributária nesse exercício, em montante (desejavelmente para a SGPS) superior

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