TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 20. Considerando que tal interpretação é a única compatível com a legalidade e não inconstitucionalidade das tributações autónomas – cfr., maxime , alíneas 7) e 34) do ponto III.C.3 do acórdão, assim desaplicando a interpretação normativa literal, qual seja, de que só estão fora da incidência de tributação autónoma as situações expressamente excluídas pelo legislador, com fundamento em inconstitucionalidade. 21. Quanto à alínea c) do douto despacho, na parte referente à questão enunciada no ponto 4, entende a Recorrente foi aplicado um critério normativo que viola a Lei Fundamental, porquanto o artigo 88.º, n. os 3 a 6, norma de incidência objetiva, foi interpretado no sentido de que a mesma contém uma “presunção de empresaria- lidade”, por via da qual, nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, se admite a sua ilisão para efeito de afastar a tributação autónoma. 22. Ora, conforme se sustentou na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e nas alegações, as normas que estabelecem tributações autónomas, sendo indubitavelmente normas de incidência tributária, não consagram uma presunção cuja prova em contrário deva ser admitida. 23.A norma em causa, o artigo 88.º, n.º 3 a 6 do CIRC, não tratou de presumir um determinado montante a ser tributado a título de encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, nem tratou de presumir a respetiva base tributável do facto tributário, tendo antes se limitado a elencar realidades a que resolveu dar relevância sob o ponto de vista da tributação, evidenciados em certas despesas eleitas pelo legislador e incorridas pelas pessoas coletivas, alvo de incidência das tributações autónomas. 24. O artigo 88.º, n.º 3 a 6 do CIRC, não contém nenhuma presunção de empresarialidade parcial, não alu- dindo, em lado algum da redação da norma, que a tributação autónoma apenas incida sobre os gastos aí elencados quando os mesmos sejam incorridos em fins alheios aos que prosseguem o respetivo escopo social.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação A. Delimitação e conhecimento do objeto dos recursos A.1. Do recurso interposto pelo Ministério Público 10. O Ministério Público interpôs recurso da decisão arbitral, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sustentando que o tribunal recorrido recusou aplicar, com fundamento em inconstitucio- nalidade, «a revogação da isenção constante do art. 32.º n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com a desconsideração da não dedução de encargos financeiros em exer- cícios passados, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.» Embora não tenham sido levantadas nos autos quaisquer objeções ao conhecimento da questão for- mulada por este recorrente, o certo é que, em face do teor da decisão arbitral – e, em especial, dos vários e complexos argumentos mobilizados para censurar as decisões administrativas objeto de impugnação –, justifica-se proceder a uma indagação prévia acerca do preenchimento dos pressupostos de que depende a admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual pode recorrer-se das decisões «que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade». Em especial, importa determinar se estamos perante uma efetiva recusa, ainda que implícita, de aplicação da norma que integra o objeto do recurso com fundamento em inconstitucionali- dade e, na hipótese afirmativa, se essa recusa foi determinante para a solução alcançada pelo tribunal a quo, sabido, como é, que apenas nesse caso poderá ter-se por assegurada a utilidade do conhecimento da questão de inconstitucionalidade.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=