TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
403 acórdão n.º 638/20 impacto na tutela da confiança do sujeito passivo, no respeito devido às suas expectativas legítimas, entre elas a sua liberdade de ação e de escolha dentro de balizas estáveis que a Lei deve lealmente propiciar.». 9. Sustentando o Tribunal arbitral que a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, sem estabelecimento de um regime que permitisse a recuperação dos encargos acrescidos em exercícios anteriores resultaria na violação de vários princípios constitucionais: (…)» 10. E com base nestas considerações [cfr. os pontos 1. a 7., da parte III.C.2.7. da decisão recorrida, supracitada em 2.], o Tribunal arbitral decidiu pela dedutibilidade, em 2014, dos custos de financiamento suportados desde 2003 até 2013, eliminando a parte do regime em vigor nesses exercícios, constante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que não admitia a dedução de encargos financeiros incorridos com a aquisição dessas mesmas participações sociais. 11.Desaplicando, desta forma, a parte da norma do regime especial das SGPS que se encontrava vigente nos exercícios de 2003 a 2013 e que impedia a dedução dos custos de financiamento incorridos naqueles períodos de tributação. 12. Quanto à alínea c) do douto despacho, na parte referente à questão enunciada no ponto 3, conforme melhor explicitado em sede de alegações, o Tribunal entendeu e aplicou a norma que revogou o regime especial das SGPS, constante do art. 32.º, n.º 2 do EBF, como tendo a virtualidade de, ao invés de se aplicar para futuro, permitir a recuperação para efeitos de dedução ao lucro tributável de 2014 de todos os encargos financeiros acres- cidos ao lucro tributável dos onze anos anteriores, os da vigência do regime, assim fazendo equivaler a revogação a uma revogação ex tunc da componente do regime constante do art. 32.º do EBF que obrigava à desconsideração dos encargos financeiros, portanto reportada ao início de aplicação do mesmo regime. 13. O critério normativo que presidiu ao juízo decisório adotado pelo Tribunal arbitral reveste contornos gene- ralizadores, ou seja foi aplicada uma interpretação normativa potencialmente genérica e não apenas relacionada com as particularidades específicas do caso submetido à apreciação do tribunal. 14. Com efeito, o critério normativo adotado produz uma conclusão normativa com contornos claramente generalizadores, porquanto o que dele se conclui é que, em sede de IRC, quando uma norma especial impede a dedução fiscal de certos custos num determinado período de tributação e venha a ser revogada, caso a lei nova nada diga sobre esses custos anteriormente suportados e não deduzidos fiscalmente no respetivo período de tributação, então todos esses custos se consideram imediatamente dedutíveis. 15. Assim, o Tribunal arbitral adotou uma interpretação normativa que atinge de forma flagrante os princípios da legalidade e da tipicidade tributárias, em clara violação do artigo 103.º, n.º 2 da CRP, preceito constitucional que para além de se dirigir ao legislador, impondo que só a lei ou decreto-lei autorizado pode criar impostos, também se destina ao intérprete impedindo-o de, com justificação na revogação de um regime jurídico, proceder à eliminação retroativa de parte desse regime, precisamente a parte do regime desfavorável às SGPS e que impedia a desconsideração dos encargos financeiros. 16.No que concerne à alínea b) do douto despacho, conforme melhor explicitado em sede de alegações, entende a Recorrente que o Tribunal arbitral recusou a aplicação do artigo 88.º do CIRC, norma de incidência tributária que associa à realização de certos gastos a obrigação de pagamento da tributação autónoma. 17. O Acórdão desse douto Tribunal Constitucional n.º 197/2016 estabelece que «[a] despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa». 18. Assim, constituindo-se o facto tributário quando se realiza a despesa, a consequência jurídica é a obrigação de pagamento de imposto, aplicando-se a taxa de tributação autónoma, sem que o artigo 88.º possibilite a demos- tração de outros factos, para efeitos de aplicação da norma, que não sejam a própria realização da despesa. 19. Diversamente, in casu , o Tribunal Arbitral concluiu que a prova da afetação exclusivamente empresarial da utilização das viaturas afasta a tributação autónoma prevista no art. 88.º do CIRC, mesmo em situações diversas das aí expressamente excluídas da incidência da tributação autónoma;
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