TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do regime geral mais favorável de que gozam as SGPS, como modo de onerá-las mais em média e, por essa via, melhorar as receitas de IRC. Por outro lado, aplicando-se esta regra da não-dedutibilidade dos encargos financeiros tanto no caso de exis- tirem mais-valias como de existirem menos-valias derivadas da alienação de partes de capital, ela é aplicável com completa indiferença pelos rendimentos positivos ou negativos que da detenção de partes de capital podem advir, e independentemente da existência de benefícios líquidos para as SGPS. Assim sendo, a Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado de 2003, veio alterar o regime de tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS, e à isenção de concurso para a formação do lucro tributável em IRC, veio contrapor a exclusão não somente da dedutibilidade das menos-valias como a dos encargos financeiros suportados por tais sociedades para a prossecução do seu objeto contratual; no caso das SGPS, a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício das suas atividades económicas. Como dissemos, as razões que presidiram a esta alteração legislativa encontram-se explicitadas no Relatório do Orçamento do Estado para 2003: tratava-se de adotar medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abu- sivo; mais concretamente, tratava-se de aproximar o regime nacional do modelo holandês, mas estabelecendo em contrapartida, como contrabalanço do benefício, um regime de desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável de tais sociedades, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes. (…) 17) A referência ao arco temporal de formação e verificação de mais e menos-valias no seio de grupos de sociedades remete-nos para o quadro específico que emerge nos presente autos: é que, não estando legalmente previsto que os encargos financeiros das SGPS fossem contabilizados, considerados ou desconsiderados para efeitos fiscais de forma diferente da usual, ou seja, exercício a exercício, então, em cada exercício dentro do arco tempo- ral – amplo, tendencialmente plurianual – de formação e verificação de mais e menos-valias no seio de grupos de sociedades, esses encargos, se estivessem em condições de serem considerados, deveriam ser identificados e descon- siderados para efeitos de tributação em cada exercício, acumulando-se exercício a exercício até que o sujeito pas- sivo, alienando as participações sociais a que aqueles encargos tivessem correspondido, obtivesse, no momento da realização de eventuais mais-valias, o ganho adicional advindo da isenção tributária nesse exercício, em montante (desejavelmente para a SGPS) superior ao somatório das tributações adicionais correspondentes à acumulação, exercício a exercício, desses encargos não-deduzidos. 18) Mas isso suscitava um problema peculiar, que é o problema que está na base dos demais: e se alguma circunstância futura, não-culposa, tornasse impossível às SGPS realizarem as mais-valias dentro desse regime de benefício condicionado? 19) Inutilizaria essa circunstância superveniente o regime de exceção de indedutibilidade, visto que manifes- tamente esse regime de exceção era contrapartida, condição, contrabalanço, de uma vantagem que deixava de ser possível alcançar? 20) Não configuraria uma situação dessas, dada a correspetividade ou bilateralidade existentes entre benefício e indedutibilidade, um caso de impossibilidade superveniente que, nos termos gerais de Direito, aponta para regras de restituição e de não-locupletamento? Não deveria uma tal circunstância determinar a consideração, no próprio exercício em que se verificasse, dos valores anteriormente desconsiderados, corrigindo-se de uma só vez o somatório de valores em causa, respeitantes a todos os exercícios pretéritos? 21) Que sentido faria a sujeição às condições de um benefício condicionado, a partir do momento em que o sujeito passivo fosse confrontado com uma impossibilidade superveniente, e não-culposa, que tornava retrospetiva- mente inútil aquela sujeição, inúteis os sacrifícios decorrentes daquela sujeição? E que sentido faria, para o sujeito ativo da relação tributária, ter submetido a contraparte de um benefício condicionado a uma conduta, a uma oneração, a sacrifícios financeiros, e depois retirar vantagem dessa submissão tornada supervenientemente inútil? 22) Sem prejuízo de considerações ulteriores mais especificamente referidas ao quadro normativo pertinente, retenhamos que a situação é, no plano dos princípios, complexa, e mais difícil se torna quando ponderamos o seu
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