TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
385 acórdão n.º 638/20 sociedades que não sejam SGPS, e que, por isso, deduziram todos os encargos financeiros, pois não dispunham de qualquer expectativa de uma isenção como aquela que resultava do regime estabelecido, até final de 2013, no EBF. 33. E a solução da Administração Tributária infringe também o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real, consagrado no artigo 104.º, 2 da Constituição, dado que os grupos de sociedades que se encontrem numa situação como a da requerente acabam sendo tributados por um rendimento que efetiva- mente não obtiveram, porquanto se trata de um rendimento que não corresponde ao rendimento que económica e contabilisticamente foi apurado – sendo que efetivamente o lucro tributável que a requerente apurou nos anos de 2003 a 2013, e pelo qual foi objeto, nesses exercícios, de tributação em IRC, não teve em conta todos os correspon- dentes gastos incorridos no desenvolvimento da sua atividade empresarial, porquanto os encargos financeiros com a aquisição de partes de capital social das sociedades dominadas não foram objeto de qualquer dedução, como o referido princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real inequivocamente o exigiria[…]. (…) III.C.3. Sobre a tributação autónoma sobre os encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros. (…) 8. Afastada a ideia de que houvesse, no período relevante, insinuado no artigo 88.º do CIRC qualquer tipo de tributação da despesa stricto sensu reportado a viaturas ligeiras de passageiros pela requerente, parece-nos impor-se a via, hoje dominante na doutrina e na jurisprudência, mormente na jurisprudência arbitral[…], de que a linha de interpretação do quadro normativo aplicável é a que conclui que se trata de tributar situações de potencial uso “misto” de viaturas da empresa, em especial situações em que a ausência de comprovação adequada possa abarcar o efetivo uso “misto” de tais viaturas, ou até o seu uso exclusivamente particular, como puro “benefício marginal” indocumentado. 9. O que equivale a dizer que a prova de que existiu um uso exclusivamente empresarial, ou seja, um uso nem “misto” nem “exclusivamente privado”, mormente a prova de que as viaturas não eram, pela sua natureza nem pelas circunstâncias da sua utilização efetiva, suscetíveis de tal utilização “mista” ou “exclusivamente privada”, bastará para afastar a tributação autónoma das despesas relativas a esse tipo de uso. 10. Essa prova deve ser subordinada ao objetivo tributário dos impostos sobre o rendimento, em cujos Códigos o regime das tributações autónomas se integra totalmente (não havendo hoje dúvidas de que tal tributação não é um imposto distinto do IRC, mas um mero adicional deste). 11. Ou seja, o “uso exclusivamente empresarial”, cuja existência deverá apurar-se, terá que consistir na inequí- voca afetação dos veículos, pelas suas características ou pela sua utilização efetiva, às atividades que constituem o objeto do sujeito passivo, às atividades que geram o seu rendimento tributável. (…) 16. Tudo está em apurar-se, pois, se existiam critérios de aferição, pela própria empresa, de tal uso “exclusiva- mente empresarial” dos veículos – e, no caso de existirem esses critérios, se está comprovada a observância deles em termos que possam incutir, no julgador, a convicção de que esses critérios eram genuínos, e que existia um inte- resse proeminente, e inequívoco, da empresa, na adstrição à conduta dos seus agentes a esse uso “exclusivamente empresarial”. (…) 20. Assim sendo, em bom rigor – e ao contrário do que tem sustentado muita da doutrina e da jurisprudência acerca das tributações autónomas do artigo 88.º do CIRC – não teve o legislador que lançar mão de qualquer presunção, que não era necessária; mas apenas que estabelecer, na previsão da norma, a restrição da incidência da tributação autónoma às situações que não sejam de uso “exclusivamente particular”, nem de uso “exclusivamente empresarial”, das viaturas ligeiras de passageiros adquiridas pela empresa – com o escopo precípuo de evitar que indefinições, ou difíceis comprovações, pudessem ocultar, de forma abusiva, usos particulares, mormente verdadei- ros “benefícios marginais” indocumentados, dos quais resultasse um empolamento de custos em detrimento de um adequado e justo apuramento do rendimento tributável.
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