TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não-dedução atempada teve por base a existência no futuro da mencionada isenção, viola claramente o princípio da proteção da confiança legítima. De facto, verifica-se uma ligação inextrincável entre os factos tributários passados, em que a requerente não deduziu os encargos financeiros incorridos no exercício da sua atividade de SGPS com a aquisição de partes de capital de outras sociedades, que se consolidaram no passado, com os factos tributários futuros concretizados na realização das mais-valias que passaram a ser tributadas. 26. No caso, a confiança legítima depositada no comportamento do Estado, mais especificamente no legislador fiscal, pelas sociedades do grupo da requerente que se encontravam subsumidas, até 31 de dezembro de 2013, ao disposto no 32.º, 2 do EBF, foi posta em causa, frustrando-se assim planos económicos desse grupo empresarial, em especial no que respeita à gestão de participações sociais pelas SGPS do grupo. 27. O Estado português adotou comportamentos claros quanto às suas finalidades de incentivação, que incu- tiram nos contribuintes a legítima confiança de que se manteriam ao longo do tempo – isto é, de que, para o futuro, poderiam beneficiar da isenção fiscal das mais-valias relativas às partes de capital social que adquiriram e dos encargos financeiros que suportaram ao abrigo da lei antiga; comportamentos que se revestem de uma aptidão para consolidar legítimas expectativas sob tutela constitucional[…]. 28. A conduta que frustrou tais expectativas foi totalmente imprevisível, e essa imprevisibilidade faz trans- parecer a gravidade da violação do princípio da proteção da confiança: razoavelmente se admitirá que, se um tal comportamento do Estado fosse minimamente expectável, o mais certo seria que tais operações não tivessem tido lugar; ou, a verificarem-se, que não tivessem exatamente a mesma fisionomia que vieram a ter; procurando, então, as sociedades integrantes do grupo da requerente proceder à dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital como despesas e custos fiscais para fins de IRC, logo nos correspondentes exercícios tributários. 29. E também não parece que se vislumbre, do lado do Estado, que ocorram quaisquer razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não-continuidade do comportamento que gerou a situação de expec- tativa em causa, isto é, a revogação do benefício fiscal relativamente às empresas que dele vinham beneficiando, e que vincularam a esse benefício a sua atuação durante um longo período de tempo, especificamente a opção de não-dedução dos encargos financeiros suportados, como preenchimento da condição para obterem a correspetiva isenção de imposto relativa às mais-valias a serem realizadas aquando da alienação das partes de capital detidas nas sociedades integrantes do Grupo. 30. Em suma, a conjugação da revogação da isenção constante do artigo 32.º, 2 do EBF pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por um lado, com a total desconsideração da não dedução dos mencionados encargos finan- ceiros em exercícios passados, por outro lado, não supera com êxito qualquer dos quatro testes ou requisitos que o Tribunal Constitucional português tem adotado, e nos quais assenta a aplicação do princípio constitucional da proteção da confiança legítima: o que revela que a Administração Tributária, ou o legislador fiscal na hipótese de a solução proposta por aquela ter suporte legal, engendrou uma solução de todo imprevisível que frustra as expecta- tivas consolidadas de a requerente não perder a possibilidade da referida dedução. 31. Recapitulando, a requerente renunciou ao exercício do direito à dedução dos gastos fiscais consagrado no artigo 23.º do CIRC durante os exercícios fiscais em que manteve a titularidade das partes de capital social adquiridas após 2003, esperando beneficiar da isenção fiscal aquando da realização das mais-valias; o que resultou em concretas consequências prejudiciais, traduzidas no apuramento de um maior do lucro tributável para efeitos de cálculo de IRC nos períodos de tributação em que aqueles gastos com os encargos financeiros foram suportados e não deduzidos[…]. Confiou, confiou legitimamente e de boa fé, viu essa confiança ser frustrada injustificada- mente, e dessa frustração nasceram consequências efetivas que se traduzem em prejuízos igualmente injustificáveis. 32. Além disso, a solução da Administração Tributária, na situação em apreço, colide com o princípio da igual- dade fiscal e da capacidade contributiva, na medida em que discrimina negativamente as SGPS que tenham sido surpreendidas numa situação como a da requerente: de facto, estas são discriminadas negativamente face, quer às demais SGPS que tenham utilizado a dedução dos encargos financeiros com a aquisição de partes de capital das suas associadas, não tendo assim feito acrescer ao seu lucro os referidos encargos financeiros, quer face às demais
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