TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
383 acórdão n.º 638/20 a suspeita de retroatividade, especialmente melindroso em matéria fiscal, como resulta do artigo 12.º, 1 da LGT e os preceitos constitucionais. 7. Daí que se possa dizer-se, em tese geral, que os cidadãos têm, fundadamente, a expectativa na manutenção das situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor. Mas se, não obstante esse alcance, nor- mação posterior vier, acentuada ou patentemente, alterar o conteúdo dessas situações, é evidente que a confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico ficará fortemente abalada, frustrando a expectativa que detinham da ante- rior tutela conferida pelo Direito[…]. Assim, o princípio da confiança é violado quando haja uma interferência inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa em expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos[…]. A ideia geral de inadmissibilidade da afetação de expectativas, em sentido desfavorável, poderá ser aferida, nomea- damente, por dois critérios: 1) será inadmissível quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não pudessem contar; 2) e será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se superiores aos demais, devendo recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado a propósito dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, 2 da Constituição) […]. (…) 20. Avançando para o plano do direito tributário, reconheça-se que, como princípio geral, deveria decorrer do princípio da proteção da confiança num Estado de Direito democrático que “as isenções fiscais condicionadas a encargos do beneficiário, tanto que concedidas pela Administração, ingressam no património jurídico do con- tribuinte e não podem ser revogadas” […], e que só uma ponderação muito extrema deveria ditar que, tendo o beneficiário preenchido integralmente, e de boa fé, os requisitos de que depende esse benefício, ele fosse revogado por ato administrativo ou pela Lei. Note-se ainda que no domínio tributário, o princípio da tutela da confiança serve sobretudo para proteger pretensões particulares que não caibam no regime tutelar dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos ou da vedação da retroatividade. 21. Por outras palavras, num Estado de Direito Democrático a segurança jurídica do sistema tributário “é a máxima garantia contra qualquer crise decorrente de inseguranças, complexidades sistémicas, riscos, ‘estados de exceção’ ou arbítrios, com vistas a assegurar a certeza do direito, a estabilidade sistémica, a confiabilidade e a pro- teção dos direitos fundamentais na ordem constitucional.” […]. 22. Neste âmbito, o princípio da proteção da confiança legítima constitui uma das componentes do princípio mais amplo da segurança jurídica, ínsito na ideia de Estado de direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição, e limita o legislador fiscal em dois sentidos: 1) na edição de normas que impliquem a criação ou o agravamento retractivo de impostos, e 2) na livre revogabilidade e alterabilidade de leis fiscais (favoráveis) – sendo um princípio que se aplica também aos operadores jurídicos concretos, mormente à Administração Tributária, se e na medida em que disponham de uma margem legal de livre decisão que tenha por parâmetro imediato a Consti- tuição, ou assumam uma tal margem sem lei, ou mesmo contra o sentido e alcance da lei. 23. Olhando à situação objeto do presente litígio, afigura-se que alguns princípios constitucionais foram efe- tivamente violados, como a igualdade fiscal aferida pela capacidade contributiva, a tributação das empresas pelo rendimento real – e, evidentemente, o princípio da proteção da confiança jurídica[…]. 24. No momento em que é eliminada a isenção relativamente às mais-valias das SGPS realizadas a partir de a partir de 1 de janeiro de 2014, a medida pareceria dispor somente para o futuro (apenas atinge as mais-valias cuja realização ocorra depois da sua entrada em vigor, ou seja, nos períodos tributários correspondentes ao ano 2014 e anos seguintes, tributando assim apenas factos tributários cujo arco temporal termina já no domínio da lei nova); mas, ao desconsiderar as componentes negativas dos encargos financeiros com a aquisição de partes de capital das suas participadas, ao fazer tábua-rasa da correspetividade que justificava e fazia funcionar o regime revogado, expli- cando a formação e conformação do rendimento gerado, a medida só não se consubstancia em verdadeira retroa- tividade porque, na imprescindível divisão do tempo em períodos tributários, a formação de um tal rendimento acaba, por convenção, totalmente imputado ao período em que ocorreu a realização. 25. Todavia, na medida em que essa revogação suporta, na interpretação e aplicação das pertinentes nor- mas legais feitas pela Administração Tributária, a impossibilidade de consideração fiscal de gastos financeiros cuja
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