TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
381 acórdão n.º 638/20 por mais de 10 anos e foi acompanhado, já nos últimos 2 anos, não só de garantias explícitas e implícitas de que perduraria, como de comportamentos da Administração Tributária que eram perfeitamente conformes com a expectativa de estabilidade e de persistência gerada pelas normas legais. 13. E o legislador fê-lo subitamente, sem sequer recorrer a soluções que tutelariam, com um mínimo de segu- rança, certeza e respeito, as expectativas legitimamente geradas, como por exemplo: 1. a de alterar novamente a redação do artigo 3.º, 3 do EBF, de forma a retirar de lá a referência ao artigo 32.º, fazendo-o regressar à regra geral da transitoriedade dos benefícios constante do n.º 1 desse mesmo artigo 3.º do EBF; 2. a de estabelecer expressamente um prazo, eventualmente inferior aos 5 anos, para a vigência do regime previsto no artigo 32.º do EBF; 3. a de estabelecer um período de transição concomitante da revogação do artigo 32.º do EBF. 14. Em vez disso, a lei resolveu, imperativamente, criar um novo tipo de “transitoriedade” para um benefício condicional – a resultante da extinção do benefício e da desconsideração dos efeitos da sua condicionalidade, fazendo tábua-rasa de quaisquer despesas que essa condicionalidade tivesse originado, ou de quaisquer investimen- tos “de confiança” que a expectativa de duração do regime vigente tivesse incentivado junto dos sujeitos passivos, ou até da própria noção de “transitoriedade” e das suas implicações para o Direito. (...) III.C.2.4. O Problema da Transitoriedade do Benefício 1. É verdade que, sendo os benefícios fiscais “medidas de caráter excecional” funcionalizadas à “tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (artigo 2.º EBF), não pode esperar-se senão que sejam confinados no tempo e sujeitos a caducidade, vigorando em princípio por um período de cinco anos, tal como é estabelecido no artigo 3.º, 1 do EBF. (...) 4. De facto, nenhum sujeito passivo tem direito à perpetuação dos benefícios fiscais a que possa ter acesso: caso contrário, não só teríamos aí configurados os tais “privilégios” que a lei pretende que não existam, como ainda uma tal perpetuação não se coadunaria com o “caráter excecional” dos benefícios, não autorizando a ponderação entre interesses públicos extrafiscais e interesses públicos fiscais que, caso seja mais favorável a estes últimos, fará desaparecer o fundamento para a subsistência do benefício – nos termos do artigo 2.º do EBF. 5. Por isso é que não se coloca sequer a hipótese de uma tutela de confiança, ou de expectativas legítimas, servir de pretexto para se bloquear a evolução do regime ou do âmbito dos benefícios fiscais, ou para se bloquear a subjacente ponderação dos interesses – fiscais e extrafiscais – em confronto. 6. O que pode reclamar-se somente é que uma tal tutela se traduza em soluções que mitiguem os efeitos de insegurança ou de incerteza na mudança de regime, e não causem desnecessários sacrifícios dos valores e interesses em presença, começando pelos valores da lealdade em relações que envolvam reciprocidades ou correspetividade, ou do respeito em relações que envolvam a assunção de riscos ou o suporte de despesas assentes na confiança. 7. A Lei poderá manter intacta a amplitude máxima de conformação dos seus próprios comandos; mas não poderá furtar-se à observância de certos princípios básicos sem os quais o seu próprio funcionamento poderá sair prejudicado, por erosão dos incentivos ao acatamento por parte dos destinatários das normas. 8. Assim, não tem cabimento dizer-se que o legislador não podia, ou não pode revogar qualquer benefício fiscal – ou que, no caso, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, não podia ter revogado o artigo 32.º do EBF. 9. O que pode dizer-se, isso sim, é que o legislador, dispondo de várias alternativas legítimas para alcançar os mesmos objetivos, não devia ter seguido por aquela que menos respeita uma ideia de genuína “transitoriedade”, aquela que desconsidera as relações de confiança e os investimentos nela assentes, aquela que mais fere as expecta- tivas criadas, ou até induzidas, por informações e comportamentos do legislador e da Administração.
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