TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

380 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos de Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Adminis- trativa (CAAD), em que são recorrentes a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira e o Ministério Público, e recorrida a A., S.G.P.S., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da decisão arbitral proferida por aquele Tribunal em 24 de maio de 2018, que julgou procedente a pretensão da recorrente a ver reconhecida a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao exercício de 2014, na parte em que não foi autorizada a dedução, ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, dos encargos financeiros suportados nos exercícios de 2003 a 2013 com a aquisição de partes de capital ainda deti- das por sociedades do grupo da recorrida em 31 de dezembro de 2013, em consequência da revogação daquela disposição pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, bem como na parte em que foram aplicadas taxas de tributação autónoma incidentes sobre os encargos com viaturas ligeiras da recorrida. 2. Na parte que releva para a decisão a proferir, consta do acórdão recorrido a seguinte fundamentação: «III.C.2. Sobre a dedutibilidade de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e acrescidos ao lucro tributável. (…) III.C.2.3. A Evolução do Enquadramento Legal 1. Vejamos o nascimento e ocaso do regime de benefício condicionado que está em causa. 2. Na redação do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, que renumerou, como 32.º, o anterior artigo 31.º do EBF, estabelecia-se: Artigo 32.º  Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR)  1 – Às SGPS, às SCR e aos ICR é aplicável o disposto nos n. os 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.  2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades. (...) 10. Até que, contra os princípios estabelecidos no próprio EBF, contra as expectativas criadas pela tendência evolutiva do quadro normativo (que parecia ter querido sacrificar as SCR e os ICR, mas não as SGPS), e contra as expectativas legitimamente criadas pela redação do artigo 3.º, 3 do EBF resultante da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, o artigo 32.º do EBF foi pura e simplesmente revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. 11. Em dois anos apenas, tudo mudava, e investimentos acumulados e tributos pagos desde 2003 apareciam subitamente, inesperadamente, colocados em xeque. 12. Isso significa que o Estado, nas vestes de legislador, tinha criado e mantido, de forma duradoura e relati- vamente estável (por referência ao quadro habitual na legislação tributária), um regime de benefício que, não obs- tante as diversas alterações sofridas no EBF e na própria redação da norma especificamente relevante, se manteve

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