TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpretada já tinha o alcance que lhe é obrigatoriamente fixado pela lei interpretativa, não há uma verda- deira e própria retroatividade. Tal como se diz no Acórdão (assim como do Acórdão n.º 216/15), a retroati- vidade das normas interpretativas não resulta de nova e diferente valoração jurídica de facto passado, não visa o facto, mas sim de uma ficção temporal – a ficção de que a entrada em vigor da lei interpretativa ocorreu com a entrada em vigor da lei interpretada. Tal como acontece com a «retroatividade inautêntica» em que a repercussão sobre o passado assume uma “intensidade fraca, mínima ou de grau intermédio” (Acórdão n.º 575/14), o “típico nexo retroativo” que resulta dessa ficção, acolhido no artigo 13.º do Código Civil, não envolve efeito retroativo em sentido verdadeiro e próprio, para efeitos de aplicação do cláusula constitucional da proibição da retroatividade dos impostos. Não nos convence o argumento das diferenças orgânicas e funcionais entre legislador e o julgador e a natureza constitutiva e declarativa dos atos de um e de outro. Para além de ser hoje inadmissível ver na interpretação judicial «só um ato de conhecimento, sem um conteúdo e resultado normativamente consti- tutivos», e na interpretação autêntica «um ato legislativo, sem quaisquer pressupostos interpretativos», como demonstrou Castanheira Neves ( O Instituto Dos «Assentos» E A Função Jurídica Dos Supremos Tribunais, Coimbra Editora, 1983, p. 328), a discussão em torno dos poderes jurídicos do legislador e dos tribunais, – que, de resto, é bem antiga – não é critério adequado para resolver o problema da natureza da retroatividade das normas interpretativas. Com efeito, em ambas as categorias de interpretação – interpretação judicial e interpretação autêntica – há momentos hermenêuticos e momentos normativamente constitutivos. E se a lei interpretativa tem presente uma intenção interpretativa em sentido próprio – uma lei verdadeiramente interpretativa –, então é porque o legislador se colocou no mesmo campo metodológico que o juiz, não pro- clamando regras novas, mas simplesmente declarando o direito preexistente. Já poderá ter algum sentido invocar a intercessão de poderes e funções – legislativa e judicial – nos casos de leis só pelo legislador ditas interpretativas, mas materialmente inovadoras. Nesses casos, o legislador assume abusivamente um poder de interpretação, impondo obrigatoriamente um sentido que a lei inter- pretada metodologicamente não pode comportar ou que não é aceitável ou possível, porque não intervêm para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio da vigência da lei interpretada. Se a disposição legislativa que se proclama interpretativa só o é formalmente, porque não tem um sentido materialmente interpretativo que a jurisprudência também poderia ter adotado, é porque o legislador apenas lhe quis dar o âmbito de aplicação que é reconhecido às leis propriamente interpretativas, e nessa hipótese, a proclamação equivale a uma “cláusula de retroatividade”. Ou seja, a lei é materialmente inovadora, mas diz-se interpretativa para impor a retroatividade através dessa formal qualificação. Não é assim nos casos das interpretações autênticas impostas por leis interpretativas materiais ou «por natureza». Pois, invocar os poderes jurídicos do legislador e dos tribunais para determinar a natureza da retroatividade das normas verdadeiramente interpretativas não se pode concluir – como faz o Acórdão no ponto 12, embora em evidente contradição com que disse no ponto 10 – que a retroatividade é substancial. Mais uma vez, o ensinamento de Batista Machado: «se porventura se pode dizer que as variações e mudanças de jurisprudência no que respeita à interpretação da regra de direito, pelo menos na medida em que esta regra nunca foi considerada certa, não têm efeito retroativo, então também a lei interpretativa nos termos atrás definidos não será substancialmente retroativa» ( Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, p. 247). – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro.
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