TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL consagrado no artigo 2.º da Constituição, pelo que se impõe verificar se a norma em causa efetiva- mente excede os limites decorrentes do princípio da proteção da confiança. XI – A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia admite que sejam devidamente sopesa- das todas as circunstâncias e comportamentos aptos a consolidar, ou pelo contrário a debilitar, as expetativas dos operadores económicos prudentes e avisados atingidos por alterações legislativas, tais como a circunstância de os benefícios fiscais deterem caráter temporário – caso em que, tal como vem reconhecendo este Tribunal, é particularmente justificada a expetativa de que o regime jurídico que o consagra vigore até ao termo do prazo previsto -, mas também a mutabilidade inerente aos regimes que concretizam opções políticas em certos domínios estratégicos. XII – A imposição constitucional de proteger a confiança legitimamente depositada na estabilidade de um determinado regime jurídico é aferível em concreto mediante a realização dos seguintes testes: em primeiro lugar, é necessário que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expetativas» de continuidade; depois, importa que essas expetativas sejam legítimas e fundadas em razões atendíveis à luz do ordenamento jurídico-constitucional; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continui- dade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de inte- resse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. XIII – Face às características do benefício fiscal consagrado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF não é possível negar a existência de uma expetativa fundada, e merecedora de consideração, na isenção das mais- -valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais por SGPS cujos encargos de financiamento não tenham concorrido para o lucro tributável apurado entre 2003 e 2013; não há dúvida de que o benefício concedido às SGPS pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF, embora automático e irrenunciável, é suscetível de ter condicionado as opções de gestão destes agentes económicos durante a vigência do benefício e implicou a não dedução de gastos que de outro modo teriam sido relevantes para o apuramento do lucro tributável, o que só é justificável como reverso do direito a beneficiar da isenção correspetiva; o que já não se mostra minimamente demonstrado – em face da sucessão de regimes legais – é que essa expetativa tenha sido, realmente, frustrada. XIV – Embora a aprovação da Lei n.º 2/2014 e a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF tenham pertur- bado o «binómio encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valia isenta», tendo a realiza- ção de mais-valias passado a ser tributada nos termos do IRC, não é possível apreciar a questão de constitucionalidade com que se debateu o tribunal recorrido abstraindo da aprovação daquela nova disciplina; da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF resultou, imediatamente e apenas, a sujeição das SGPS ao regime-regra e, se este foi alterado praticamente em simultâneo, ainda que pela Lei n.º 2/2014 e não pelo Lei do Orçamento do Estado para 2014, tal dado legislativo não pode ser desconsiderado quando se trate de determinar se existiu ou não uma efetiva frustração da confiança depositada na vigência das condições estabelecidas pela norma fiscal revogada. XV – Da consideração desse dado legislativo retiram-se, desde logo, duas conclusões: a primeira é que não pode ser reconhecida uma legítima confiança na existência de um regime especialmente aplicável às

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