TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
37 acórdão n.º 751/20 Lisboa, 16 de dezembro de 2020. – Pedro Machete – João Pedro Caupers – Fernando Vaz Ventura – Gon- çalo de Almeida Ribeiro – Joana Fernanda Costa – Mariana Canotilho (com declaração) – Maria José Rangel de Mesquita – Manuel da Costa Andrade. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, com a ressalva de que não considero que todas as leis interpretativas sejam sempre, necessária e inconstitucionalmente retroativas. – Mariana Canotilho. DECLARAÇÃO DE VOTO Apesar de estar de acordo com a declaração de inconstitucionalidade da norma em questão – já que não pode ser considerada realmente interpretativa, pela inexistência de anterior controvérsia jurisprudencial – divirjo da fundamentação constante dos pontos 11 e 12 do Acórdão. Depois de se ter dito «que a lei verdadeiramente interpretativa é apenas formalmente retroativa, uma vez que se limita a declarar o direito preexistente» e que «a lei autoqualificada como interpretativa mas que em boa verdade seja inovadora se deva considerar como materialmente ou substancialmente retroativa, e portanto ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo» (ponto 10), e de ainda se ter afirmado que «o legislador tem de agir no quadro da ordem constitucional, respeitando os limites constitucionais decorrentes do princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima relativamente à retroatividade substancial» (ponto 11), o presente Acórdão conclui que «a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição» (ponto 12). Ora, é contra esta conclusão que já manifestei desacordo em declarações de voto emitidas nos Acórdãos n. os 267/17 e 49/20, para cuja argumentação se remete. A posição agora tomada em Plenário tem uma evi- dente consequência: todas as normas fiscais interpretativas, porque substancialmente retroativas, são incons- titucionais. Em direito fiscal, nas matérias cobertas pelo artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o legislador não pode interpretar as leis que edita. Mesmo que a norma revele uma intenção interpretativa, resolvendo controvérsia jurisprudencial – por vezes artificialmente levantada – não resta outra opção política que não seja revogar a norma controvertida e criar outra com o sentido que sempre entendeu que deveria ser dado à norma revogada, dando assim oportunidade a uma evasão fiscal. No caso da conformidade constitucional das normas fiscais interpretativas o que está em causa é deter- minar a natureza da retroatividade dessas normas e não tanto saber se a proibição constitucional de impostos retroativos é absoluta ou se comporta gradações ou exceções. Como dá conta o Acórdão, o Tribunal tem entendido que a retroatividade inautêntica ou retrospetividade não está abrangida por essa proibição. Apenas a retroatividade própria – que se verifica quando há interferência normativa de modo a atingir eventos ini- ciados e concluídos no passado, associando novas consequências jurídicas a factos jurídicos já consumados, sob a vigência de norma anterior – é que constitucionalmente inadmissível em matéria tributária; já a retroa- tividade imprópria, – em que a alteração normativa atinge eventos iniciados no passado, quando da vigência de norma anterior, porém ainda não concluídos, de modo a intervir prejudicialmente em posições jurídicas dos sujeitos passivos –, em princípio, é admissível. Ora, em relação às normas verdadeiramente interpretativas – aquelas cujo sentido normativo é mate- rialmente interpretativo – não há que aplicar o princípio da não retroatividade das leis consignado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição e artigo 12.º do Código Civil. Uma vez que não visam valorar ex novo um facto passado, mas, antes, visam a norma, esclarecendo que, no momento da verificação desse facto, a norma
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