TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
365 acórdão n.º 606/20 O reclamante contesta que a falta de utilidade do recurso, nos termos considerados na decisão reclamada, possa constituir fundamento para não tomar conhecimento do objeto do recurso. Importa, por isso, antes de mais, deixar claro qual o sentido deste pressuposto necessário ao conhecimento do mérito do recurso. A utilidade dos recursos de constitucionalidade, conforme se afirmou na decisão reclamada, depende de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi , da dimensão normativa arguida de incons- titucional pelo recorrente, já que, se assim não suceder, uma eventual decisão de provimento do recurso não determina a reforma da decisão recorrida, conforme previsto no artigo 80.º, n.º 2, da LTC. Recorde-se que a competência específica do Tribunal Constitucional «para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (artigo 221.º da Constituição) se articula necessariamente com o poder constitucionalmente atribuído aos demais tribunais para apreciarem e decidirem questões de incons- titucionalidade (artigo 204.º da Constituição). Assim, a intervenção do Tribunal Constitucional ocorre em via de recurso, o qual é restrito à questão de inconstitucionalidade (artigo 280.º, n. os 1, 2 e 6). Daqui decorre, desde logo, a necessidade de uma clara distinção entre a questão de inconstitucionali- dade e a questão principal: «Esta [última] constitui o objeto do litígio ou do problema (de natureza civil, penal, administrativa, laboral) submetido à decisão dos tribunais; a questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade traduz-se em saber se uma norma a aplicar ao caso concreto (questão principal) é contrária à Constituição […], em termos que o sentido da decisão a ser proferida no processo principal depende, da solução do juízo de conformidade ou desconformidade dessa norma com a Constituição […], Esta questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) não é, pois, uma ação destinada a impugnar de modo direto e abstrato, a conformidade constitucional (ou legal) de uma norma, mas sim um instrumento concedido às partes no processo para defenderem os seus direitos e interesses (dimensão subjetiva) e ao juiz e ao MP (dimensão objetiva) para obterem a conciliação da sua dupla sujeição aos atos norma- tivos e à Constituição (cfr. arts. 202.º e 204.º)» (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, anot. XXIII ao art. 280.º, pp. 954-955). Mas a posição relativa do Tribunal Constitucional face aos demais tribunais – uma instância de recurso no tocante às questões de inconstitucionalidade – implica igualmente uma limitação dos seus poderes de cognição: o Tribunal Constitucional não se substitui ao tribunal recorrido; limita-se a decidir em última instância a questão de inconstitucionalidade concretamente em causa (que, em princípio, já deverá ter sido objeto de decisão pelo tribunal recorrido). A projeção de tal decisão no processo-base varia em função do res- petivo objeto, nomeadamente consoante seja negado ou dado provimento ao recurso de constitucionalidade: no primeiro caso, a decisão recorrida mantém-se inalterada; no segundo, a mesma decisão deve ser reformada pelo tribunal recorrido «em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade» (artigo 80.º, n.º 2, da LTC). Existe, por conseguinte, uma interdependência entre a questão de inconstitucionalidade cognoscível pelo Tribunal Constitucional e o sentido da decisão recorrida, em termos de apenas se justificar decidir a primeira, caso o sentido da segunda possa vir a ser alterado por aquela decisão, nomeadamente em caso de provimento do recurso de constitucionalidade. Ou seja, se a concessão de provimento ao recurso de constitu- cionalidade pelo Tribunal Constitucional for, de todo, insuscetível de determinar a reforma da decisão recor- rida, não há que conhecer de tal recurso; de contrário, o Tribunal Constitucional praticaria um ato inútil. Tal entendimento tem sido acolhido na jurisprudência constitucional. Segundo o Acórdão n.º 556/98: «[O] recurso de constitucionalidade está também sujeito às regras gerais do Código de Processo Civil que definem os pressupostos processuais, nomeadamente em matéria de interesse e utilidade dos recursos (cfr. artigo 69.º da LTC).
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