TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
355 acórdão n.º 606/20 ainda a equiparação, que entende estar subjacente à decisão reclamada e à jurisprudência nela citada, de uma prova documental ao auto de declarações para memória futura (cfr. pontos 36 a 41). Ora, para além de os dois aspetos concretos referidos pelo recorrente não integrarem, como já mencio- nado, a dimensão normativa questionada, os mesmos em nada impedem a aplicação ao caso dos autos da jurisprudência convocada pela decisão reclamada. Com efeito, por um lado, tais aspetos não cabem à aprecia- ção do Tribunal Constitucional – que apenas pode apreciar a conformidade do critério normativo sindicado, devidamente destacado da decisão concreta, face a determinados parâmetros de constitucionalidade tidos por relevantes –, sendo que a alegada divergência entre a gravação áudio e o auto de declarações, bem como a circunstância de o arguido ter sido condenado exclusivamente com base nessas declarações, corresponde à perspetiva do recorrente sobre o que se passou no caso concreto, traduzindo uma discordância quanto ao decidido pelas instâncias infraconstitucionais a esse respeito, que não cabe a este Tribunal sindicar. Por outro lado, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não está subjacente à decisão reclamada e à jurisprudência nela citada, a equiparação entre prova documental e o auto de declarações para memória futura. Na verdade, embora no Acórdão n.º 367/14, para cuja fundamentação se remete na decisão reclamada, se tenha feito alusão a outra jurisprudência constitucional (concretamente os Acórdãos n. os 87/99 e 110/11), no sentido de que não constitui violação dos princípios do contraditório, da oralidade, da imediação e da publicidade da audiência o facto de o tribunal se servir, para formar a sua convicção, de documentos não lidos, explicados ou apresentados em audiência de julgamento, o Tribunal Constitucional, depois de ter considerado que tal juízo vem tendo algum acolhimento, especificamente no que concerne à leitura das declarações para memória futura, por parte do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. o ponto 8.2 do Acórdão n.º 367/14), e reconhecendo que tal jurisprudência constitucional se reportava fundamentalmente a prova pré-constituída (prova docu- mental), entendeu não existirem boas razões para a afastar em relação ao caso então em apreciação, tecendo diversas considerações a esse respeito e que tomam em atenção a especificidade das declarações para memória futura (cfr. ponto 8.3 e ainda, quanto à natureza do instituto das declarações para memória futura, bem como quanto às consequências normativas, neste domínio, das exigências constitucionais de concordância prática entre o interesse da vítima, o interesse da descoberta da verdade material e a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido, os pontos 7.1 e 7.2, ibdem ). 8.3. No que respeita à invocada violação do princípio da oralidade e do contraditório, o recorrente, sustentando que o problema suscitado nos autos não se reporta apenas à falta de leitura do auto de declara- ções, mas também ao facto de inexistir qualquer promoção ou despacho no sentido de promover a dispensa de leitura e ao facto de o referido auto não (poder) ter correspondência com o teor gravado (áudio) dessas declarações (o qual é incompreensível), tece, a esse respeito, diversas considerações sobre o regime legal das declarações para memória futura, bem como sobre algumas soluções previstas em regimes jurídicos estrangei- ros, concluindo, em síntese, pela necessidade de as declarações para memória futura prestadas nos termos do artigo 271.º do CPP que tenham sido indicadas como prova, deverem ser lidas ou visualizadas e ouvidas em audiência de julgamento, sob pena de todas as limitações ao direito de defesa decorrentes da forma como tal prova foi produzida em sede de inquérito serem estendidas sem motivo que o justifique, à fase de julgamento (cfr. os pontos 42. a 78. da reclamação). Para além de parte das considerações do recorrente dizerem respeito à aplicação do direito infraconstitu- cional e à interpretação que, na perspetiva do recorrente, deverá ser extraída dos preceitos legais convocáveis para a situação dos autos e sobre aspetos que, em parte, extravasam a apreciação da questão normativa objeto dos presentes autos, conforme já referido, a verdade é que nada do que é alegado justifica o afastamento da jurisprudência convocada, nem são apresentados argumentos novos, que não tenham sido ponderados e que levem a concluir que o presente processo deva prosseguir com a apresentação de alegações. Com efeito, conforme resulta da decisão reclamada, em tal decisão e na jurisprudência nela citada foram ponderadas as razões pelas quais um entendimento no sentido da não obrigatoriedade da leitura em audiência das declarações para memória futura não coloca em causa as garantias defesa do arguido nem os princípios da
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