TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

354 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL à inexistência de despacho a dispensar tal leitura, a verdade é que tal circunstância não integra a dimensão normativa por ele questionada (que, diferentemente, se reporta apenas à própria possibilidade da dispensa, ou seja, à permissão normativa de ser dispensada tal leitura). Ora, o recorrente, discordando de tal delimitação, refere que a questão essencial é a «dispensa de leitura das declarações para memória futura em audiência de julgamento» e não propriamente “não obrigatorie- dade” dessa leitura. No entanto, na argumentação apresentada não demonstra qual a diferença essencial entre as duas formulações, sendo certo que também não se vislumbra que exista tal diferença entre a questão que o recorrente pretendia ver efetivamente sindicada e a que foi objeto de apreciação. Na verdade, a não obrigato- riedade da leitura das declarações para memória futura é simultaneamente condição necessária e suficiente da dispensa de tal leitura. Ou por outras palavras, a dispensa da leitura só é admissível (no sentido de permitida) se, e na medida, em que a mesma leitura não seja obrigatória. Acresce que as circunstâncias factuais referidas nos pontos 27, 34, 43 – a inexistência de qualquer pro- moção ou despacho no sentido de promover a dispensa de leitura e a possibilidade de auto de declarações não ter correspondência com o teor gravado dessas declarações, por o mesmo ser incompreensível – e 44 da reclamação não integram, em qualquer caso, o critério normativo – necessariamente geral e abstrato – sin- dicado nos autos. 8. O recorrente manifesta ainda a sua discordância no que respeita à convocação, pela decisão recla- mada, da jurisprudência dos Acórdãos n. os 367/14 e 399/15, cuja fundamentação foi aplicada ao caso dos autos (cfr. pontos 24 a 26 da reclamação). Contudo, embora destaque algumas especificidades dos referidos processos, na argumentação apresentada, não logra demonstrar que o juízo decisório a que chegou este Tribunal em tais arestos, bem como a respetiva fundamentação, não sejam transponíveis para os presentes autos, conforme se entendeu na decisão ora em apreciação (cfr., em especial, o ponto 7.2 da Decisão Sumária n.º 467/20, ora reclamada). 8.1. Desde logo, não procede a alegada impossibilidade de exercer o contraditório e consequente viola- ção do artigo 32.º, n. os 1 e 3, da Constituição (cfr. pontos 27 a 29 da reclamação). Tal questão foi objeto de ponderação na decisão sumária reclamada (cfr. o ponto 7.2 de tal decisão), tendo-se aí referido, a propósito do alegado pelo recorrente relativamente à circunstância de as declarações para memória futura terem sido «prestadas na ausência do arguido, sem defensor por si escolhido, sem que o mesmo tivesse sequer conheci- mento do âmbito do processo», a mesma é estranha ao objeto do presente recurso. Na dimensão normativa contemplada neste último não está em causa qualquer problema atinente às circunstâncias e aos formalismos observados na tomada de tais declarações, acrescentando-se ainda que, segundo o tribunal a quo, as mesmas foram prestadas nos termos do artigo 271.º do CPP, o que implica que o tenham sido na presença de defen- sor do arguido. Por isso se entendeu que, tendo sido cumpridas as exigências do artigo 271.º do CPP, e não estando em causa na dimensão questionada os referidos aspetos concretos invocados pelo arguido, não resul- tavam violados quaisquer dos parâmetros constitucionais invocados, sem prejuízo de serem tidas em atenção as particulares exigências constitucionais de concordância prática entre o interesse da vítima, o interesse da descoberta da verdade material e a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido, que, conforme se con- siderou na decisão reclamada, foram tidas em atenção na jurisprudência nela citada. 8.2. Por outro lado, além de manifestar a sua discordância no que respeita à fundamentação da jurispru- dência convocada pela decisão reclamada, o recorrente tenta demonstrar que, no caso dos autos, existem duas nuances que impedem a transposição de tal jurisprudência: a leitura das declarações para memória futura poder servir para verificar a falta de correspondência entre o documento escrito que as reproduz e o áudio em que as mesmas foram registadas e o facto de o arguido ter sido condenado exclusivamente com base em tais declarações que não encontram respaldo na restante prova em audiência (cfr. pontos 30 a 35), questionando

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=