TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

351 acórdão n.º 606/20 43.º O “problema” suscitado nos autos, nas alegações de recurso, não se reporta apenas à falta de leitura do auto de declarações; mas antes, ou também: a) Ao facto de inexistir qualquer promoção ou despacho no sentido de promover a dispensa de leitura; b) Ao facto de o referido auto não (poder) ter correspondência com o teor gravado (áudio) dessas declarações (o qual é incompreensível). 44.º Portanto, a questão nuclear, é que o Arguido acaba por ser condenado com base num documento escrito, cuja correspondência com o documento de suporte áudio das declarações não foi garantida; e na realidade não há correspondência. 45.º E quanto a isso, salvo o devido respeito, não há volta a dar: constitui obscuro mistério a forma como foi possí- vel reduzir a escrito o que, em grande parte, não é audível, e na parte audível, não é percetível. […] 50.º Este meio de prova procurava, originalmente, preservar a prova que, pelas mencionadas vicissitudes, se poderia vir a perder, procurando que ela fosse produzida, até onde isso fosse possível na fase em que o processo se encon- trava, em condições que garantissem o exercício do contraditório, mesmo que não fosse na sua plenitude. 51.º Embora a alínea a) do n.º 2 do artigo 356.º admitisse a leitura das declarações prestadas para memória futura, essa leitura só teria lugar, como afirmava a parte final do n.º 1 do artigo 271.º, se tal fosse necessário (redação do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro: «...a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.». 52.º Por princípio, toda a prova devia ser produzida ou examinada na audiência – artigo 355.º, n.º 1 –, constituindo a leitura de declarações uma exceção. 53.º A prova pessoal devia ser produzida na audiência, a prova real, nomeadamente os objetos e os documentos apreendidos, devia ser aí examinada, só sendo admitidas as leituras a título excecional. 54.º Quer elas constituíssem prova que pudesse fundamentar positivamente a decisão, quer servissem apenas para o avivamento da memória ou para o confronto da testemunha com anteriores declarações prestadas, tendo a leitura neste caso um papel meramente negativo, contribuindo apenas para a valoração das declarações prestadas perante o tribunal. 55.º Impunha ainda o Código que «[a] permissão de uma leitura e a sua justificação legal [ficassem] a constar da ata, sob pena de nulidade» – artigo 356.º, n.º 8.

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