TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
35 acórdão n.º 751/20 deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei revista igualmente um caráter material ou substancial (vide, de novo, os Acórdãos n. os 267/17 e 395/17). Significa isto que a interpretação legislativa, por ter a natureza própria do poder de que emana, e inde- pendentemente da intenção declarada ou implícita na lei que a consagra, tem sempre subjacente um juízo formulado segundo critérios político-legislativos. Objetivamente, isto é, pela sua própria natureza, a lei inter- pretativa fixa o sentido que o legislador entende politicamente mais vantajoso (cfr. o Acórdão n.º 395/17). A eventual coincidência entre o sentido fixado por tal lei e aquele que seja apurado por via da interpretação judicial da lei interpretada não é impossível, mas também não é necessária. Todavia, o que aqui releva é que os resultados da interpretação legal e da interpretação judicial são expressões de atividades constitucional- mente distintas e que, por conseguinte, também se regem por diferentes parâmetros constitucionais. 12. Segundo esta perspetiva, fundada na diferença constitucional entre a função legislativa e a função jurisdicional, não pode aceitar-se a ideia de que uma lei “genuinamente interpretativa” – porque se limita a consagrar um dos sentidos possíveis da lei interpretada – não seja lesiva das «expectativas seguras e legitima- mente fundadas» dos seus destinatários e, por isso mesmo, caso trate de matéria fiscal, a respetiva retroativi- dade – tida como meramente “formal” – nem sequer esteja abrangida pela proibição do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Como se entendeu no Acórdão n.º 395/17: «Sem dúvida que os cidadãos destinatários das leis, designadamente de leis com uma vocação ablativa, não devem ter qualquer expectativa de que estas sejam, ou possam vir a ser, interpretadas no sentido que lhes é mais favorável; não existe, nem sequer nos domínios penal ou fiscal, um qualquer «princípio da interpretação mais favo- rável» ao cidadão. Mas têm a expectativa legítima, na qualidade de destinatários da lei, de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica – assim como, na eventualidade de se verificar um litígio, de recorrerem aos tribunais para que estes apreciem, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhes cabe, e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, o mérito jurídico do seu ponto de vista no caso concreto. Por outras palavras, os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos – enquanto sujeitos de direito – que aquelas se lhes dirigem. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política – constitutivas e não declarativas de direito –, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabili- dade e justiciabilidade da sua relação com a lei. Não é outro, segundo se crê, o alcance das seguintes palavras que constam do Acórdão n.º 172/00: “[A] vinculação interpretativa que [as] leis [interpretativas] comportam, ao tornar-se critério jurídico exclu- sivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos […] leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.”» Consequentemente, a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. 13. No caso da norma em apreciação no presente processo, nem sequer é necessário discutir se a proi- bição constitucional de leis interpretativas em matéria fiscal é, nos mesmos termos em que a previsão do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição tem sido interpretada pela jurisprudência constitucional, absoluta (como
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