TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
343 acórdão n.º 606/20 Resulta, assim, manifesto, o tribunal a quo não considerou ser dispensável, para o cumprimento do dever de fundamentação da decisão condenatória, o exame crítico da prova, mormente das declarações da ofendida. Pelo contrário, afastou expressamente a nulidade invocada pelo arguido, por entender que, no caso, havia sido efetuado o exame crítico de toda a prova, incluindo as declarações da ofendida. É certo que o recorrente discorda de tal entendimento, mas essa discordância não altera o critério expressa- mente adotado pelo tribunal a quo e que esteve subjacente à sua decisão. Resulta claro, por conseguinte, que o tribunal recorrido não aplicou a “interpretação normativa” questionada pelo recorrente como ratio decidendi da sua pronúncia, pelo que se terá de concluir, quanto a esta questão, que o presente recurso é, nos termos já referidos, inútil, não devendo, também por esta razão, conhecer-se do respetivo mérito. 17. Quanto à quarta e quinta questões de constitucionalidade, reportadas, respetivamente, 123.º e 340.º do CPP (quarta questão) e 165.º do mesmo diploma (quinta questão), não se pode conhecer do recurso, por falta de legitimidade do recorrente, uma vez que este não suscitou, perante o tribunal a quo, no momento processual adequado, tais problemas de constitucionalidade. Com efeito, sendo a decisão recorrida o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de junho 2019, verifi- ca-se que o recorrente não suscitou junto do mesmo, previamente a tal decisão, aquelas questões de constituciona- lidade, em termos que lhe permitissem, agora, apresentar-se como parte legítima (cfr. o artigo 72.º, n.º 2, da LTC). A quinta questão de constitucionalidade – e é o próprio recorrente quem o afirma – foi suscitada apenas na arguição de nulidade do mencionado acórdão, isto é, em momento posterior ao da prolação da decisão ora recorrida. No tocante à quarta questão, embora o recorrente afirme que a suscitou também nas conclusões j) a m) das alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, resulta claro da leitura de tais conclusões que o problema foi aí colocado apenas no plano do direito infraconstitucional aplicável (cfr., em particular a conclusão k) , não tendo sido suscitado qualquer problema de conformidade constitucional reportado aos artigos 123.º e 340.º do CPP, sendo que o recorrente poderia e devia ter perspetivado tal possibilidade. Ora, como a jurisprudência constitucional tem afirmado, de modo reiterado e unânime, a suscitação da ques- tão de inconstitucionalidade deve ocorrer antes da prolação da decisão final, visto que a partir desse momento se encontra esgotado o poder jurisdicional (nos termos previstos no artigo 613.º do Código de Processo Civil). Com efeito, uma vez que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão, nem a torna obscura ou ambígua, os incidentes pós-decisórios (como sejam os pedidos de aclaração, de reforma ou de arguição de nulidade) não constituem momento processualmente adequado para a suscitação – pela primeira vez – de questões de inconstitucionalidade (cfr., nesse sentido, entre muitos, os Acórdãos n. os 394/05, 533/07 e 55/08). Assim, não se mostrando cumprido o ónus de suscitação prévia, o recorrente carece de legitimidade para interpor o presente recurso [cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b) , e 72.º, n.º 2 da LTC], pelo que, nesta parte, não se conhece do mesmo. 18. Finalmente, no que respeita à sexta questão de constitucionalidade, reportada à interpretação do artigo 164.º, n.º 1, do CP, no sentido de se bastar quanto ao seu preenchimento com a falta de vontade, esvaziando o n.º 2 do mesmo artigo, é de concluir que o objeto do recurso se prende exclusivamente com a eventual inconstitu- cionalidade da decisão recorrida, em si mesma considerada. Com efeito, tal como se verificou com a segunda questão de constitucionalidade que integra o primeiro recurso interposto (cfr. o ponto 8, supra ), não obstante o recorrente ter reportado esta questão a uma suposta “interpreta- ção” do artigo 164.º, n.º 1, do CP, o que está em causa, verdadeiramente, é sindicar a decisão do caso concreto, no que respeita à subsunção das circunstâncias específicas do caso à previsão de tal tipo incriminador. Tal propósito é patente na forma como a questão foi colocada perante o tribunal a quo, referindo-se que «[o] s factos provados não preenchem o tipo de crime de violação do art.º 164.º, n.º 1, do Código Penal, porque não integram violência física adequada para vencer a autodeterminação sexual da ofendida (ameaça grave ou colocação da vítima em estado preordenado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir), não sendo sequer suscetíveis de subsunção ao n.º 2, (…) não podendo pois o Arguido ser condenado com base em factos conclusivos, porque
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