TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL crítico de tais declarações, a partir deste aspeto específico do caso concreto, elaborou uma suposta interpretação normativa que entende ter sido aplicada pelo tribunal a quo: a circunstância de, no caso concreto, e segundo o recorrente, se ter entendido que o dever de fundamentação se basta com a referência ao «conjunto das declarações prestadas pela ofendida», dispensando a respetiva análise crítica. Ou seja, sob a veste de uma suposta interpretação normativa, aplicada pelo tribunal a quo, o recorrente pretende sindicar a concreta operação de valoração da prova no caso concreto e não um critério normativo, geral e abstrato, aplicado autonomamente pelo tribunal recorrido. Por isso, mediante a aparência da enunciação de uma questão de constitucionalidade, o recorrente visa impugnar, na verdade, a própria decisão do tribunal recorrido, pretendendo assim que o Tribunal Constitucional se substitua àquela instância, no sentido de apreciar se, no caso concreto, na fundamentação da decisão da matéria de facto, foi efetuada a análise crítica das declarações da ofendida. É, por conseguinte, evidente a inidoneidade do objeto do presente recurso, no que respeita a esta questão, o que determina a impossibilidade do seu conhecimento. 16.2. Verifica-se, além disso, que o presente recurso é inútil quanto a esta questão, visto que o tribunal recor- rido não aplicou o referido preceito legal com o sentido questionado pelo recorrente. Com efeito, o tribunal a quo em momento algum adotou qualquer critério no sentido de o cumprimento do dever de fundamentação em matéria de facto se bastar com a referência ao «conjunto das declarações prestadas pela ofendida», dispensando a respetiva análise crítica. Na verdade, tendo o recorrente defendido que, nos autos, mormente em primeira instância, não teria havido um exame crítico da prova, na qual se incluem tais declarações, a posição assumida pelo tribunal a quo foi no sentido afastar tal alegação. Nesse sentido, depois de analisar esta matéria, o tribunal recorrido, no acórdão de 12 de junho de 2019 refere, entre o mais, o seguinte, (cfr. fls. 394-395): «Na verdade, aquela motivação é exemplar, em todos os seus parâmetros, seja pela forma minuciosa e muito cuidadosa com que examina todos os elementos de prova em que assenta – as declarações para memória futura prestada pela ofendida, as declarações do Arguido, o depoimento das diferentes testemunhas e o Relatório Médico-Legal – seja também pelo modo como, a partir desse exame, pondera os diferentes relatos sobre os fac- tos em causa e explicita clara, meticulosa e escrupulosamente as divergências encontradas, apontando de modo circunstanciado e rigoroso os motivos pelos quais valoriza e credibiliza uma versão em detrimento de outra, quer em função da razão de ciência, quer em função da sua articulação com os restantes elementos de prova. A decisão recorrida socorre-se, ainda, judiciosa e ponderadamente das regras de experiência comum relati- vas às agressões sexuais sofridas por raparigas adolescentes para aferir e valorar a prova produzida. Assim, e abordando os pontos de facto constantes da decisão recorrida que o recorrente considera não se mostrarem devidamente fundamentados, impõe-se referir que a sua fundamentação se encontra explícita na Motivação da decisão de facto. […]  Assim, considera-se ser muito clara, explícita e rigorosa a forma como o Acórdão recorrido procede à demonstração do modo como foram valorados e apreciados todos os elementos de prova utilizadas pelo Tri- bunal a quo para firmar a sua convicção quanto à realidade dos factos que vieram a ser dados como provados e não provados. Demonstração esta que consubstancia mais do que cabalmente a análise crítica da prova e elucida perfeita- mente o processo lógico-discursivo subjacente à decisão) deste modo dando cumprimento à imposição consti- tucional constante do artigo 205.º da CRP que radica num imperativo de respeito pelas garantias constitucio- nais de liberdade e segurança e) consequentemente) dá cumprimento ao disposto no artigo 374.º n.º 2 do CPP. Nesta conformidade, se conclui que o Acórdão recorrido se não mostra ferido da nulidade invocada e consequentemente inexiste base factual para a alegação de inconstitucionalidade a que o recorrente procedeu.».

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