TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

341 acórdão n.º 606/20 No caso dos autos, não obstante o recorrente ter reportado cada uma destas questões a uma suposta “interpre- tação” dos artigos 125.º e 127.º, ambos do CPP, e do artigo 349.º do Código Civil, (segunda questão) e do referido artigo 127.º (sétima questão), o que está verdadeiramente em causa nas questões em apreço é a decisão do caso concreto, e não quaisquer critérios normativos de decisão aplicados, autonomamente, pelo tribunal recorrido. Isto é, com qualquer das referidas questões, o que o recorrente pretende é uma fiscalização, pelo Tribunal Constitucio- nal, do modo como o tribunal a quo decidiu o caso concreto, ao dar como provados determinados factos, sem que, na sua perspetiva, tenha sido respeitado o princípio in dubio pro reo . Assim, o que o recorrente pretende é questionar a concreta operação e valoração das provas, efetuada pelo tribunal a quo. Tal é claramente evidenciado no modo como, no requerimento de interposição de recurso, são enunciadas estas questões de constitucionalidade, em que o recorrente destaca diversas particularidades do caso concreto, designadamente as provas que, em seu entender, foram incorretamente valoradas. Ora, como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar se, face aos elementos de prova exis- tentes num determinado caso concreto, foi correta a apreciação efetuada pela decisão recorrida no sentido de dar determinada factualidade como verificada, tendo em atenção a aplicação dos critérios decorrentes dos artigos 125.º e 127.º do Código Penal, nem se tais critérios foram corretamente aplicados. Conclui-se, por isso, no que respeita a estas duas questões, que o objeto do recurso é inidóneo, não podendo, por isso, haver conhecimento do respetivo mérito. 16. Quanto à terceira questão de constitucionalidade, reportada ao artigo 347.º, n.º 2, do CPP, no sentido de que o dever de fundamentação se basta com a referência ao «conjunto das declarações prestadas pela ofendida», dispensando a respetiva análise crítica, não se pode conhecer do recurso, por inidoneidade do objeto e, subsidia- riamente, por inutilidade. 16.1. Em primeiro lugar, importa salientar que a referência, por parte do recorrente, ao artigo 347.º, n.º 2, do CPP (respeitante às declarações das partes civis), resultará de lapso de escrita. Com efeito, da leitura do requeri- mento em que o recorrente arguiu a nulidade do acórdão de 12 de junho de 2019 e em que suscitou esta questão de constitucionalidade (cfr., em particular o ponto 82 de tal requerimento), resulta que o preceito a que o recorrente pretende referir-se é o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, que, sob a epígrafe «Requisitos da sentença», estabelece que «[a] o relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fun- damentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». Ora, não obstante o recorrente ter reportado esta questão a uma suposta interpretação extraída do referido preceito, o que está em causa, verdadeiramente, é sindicar a decisão do caso concreto, e não um qualquer critério normativo de decisão aplicado, autonomamente, pelo tribunal recorrido. Na verdade, não é condição suficiente da idoneidade do objeto do recurso «que a parte tenha, de um ponto de vista formal, equacionado uma questão de inconstitucionalidade de “normas” (não se limitando a impugnar diretamente a constitucionalidade de decisões judiciais e indicando ou especificando o sentido ou interpretação com que considera ter sido tomado e aplicado o preceito alegadamente violador da Constituição), já que – como advertem, quer a doutrina (Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, p. 347), quer a jurisprudência (cfr. os Acórdãos n. os 196/91 e 551/01) –, importa prevenir os casos de “abuso” ou “ficção” do conceito de “interpretação normativa”, apenas com o objetivo de forjar artificialmente uma “norma” sindicável pelo Tribunal Constitucional» (vide Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 34). Ora, no presente caso, importa notar, desde logo, que o preceito legal em causa não apresenta um teor semân- tico que possa, diretamente, servir de base ao enunciado da questão que o recorrente pretende submeter a fisca- lização. Na verdade, este, por entender que, no caso concreto, o tribunal a quo não procedeu a um exame crítico de uma certa e determinada prova – as declarações da ofendida –, construiu um suposto critério normativo que, no seu entender, terá sido aplicado por aquela instância. Tal é patente, não só pela forma como está enunciada a questão de constitucionalidade, mas também pelo que consta do requerimento em que foi arguida a nulidade do acórdão de 12 de junho de 2019. Aí o recorrente, por entender que o tribunal a quo não procedeu a um exame

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