TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
337 acórdão n.º 606/20 9. Acresce que a distinção entre prova direta e indireta não se baseia num predicado epistemológico – a idoneidade ou o valor do meio de prova −, mas num predicado lógico – a relação entre a prova e o facto. A distinção justifica-se, essencialmente, por razões de comodidade analítica. Possui ainda a virtude metodoló- gica de permitir discriminar processos inferenciais de complexidade diversa, na medida em que a prova indireta implica, por natureza, uma cadeia de raciocínio entre o facto probatório e o facto probando, ao passo que a prova direta do facto probando decorre imediatamente da adesão do julgador ao facto probatório. Porém, tal distinção nada de relevante encerra sobre a força probatória dos meios de prova que através dela se classificam, como se demonstra através da comparação entre o depoimento de uma testemunha de credibilidade duvidosa no sentido de que o arguido estava em determinado local a determinada hora e a inferência de que tal não é possível porque o arguido integra a lista de passageiros de um voo que decorria a essa hora. A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas. Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova diretos e indiretos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indireta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indireta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal. Refira-se ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso a prova indireta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido , decidido por acórdão de 8 de fevereiro de 1996. A formulação de juízos de inferência incriminatórios encontra-se, segundo o TEDH, condicionada à verificação de determinados pressupostos: (i) a acusação deverá estabelecer previamente, através de prova direta, as circunstâncias que permitem o juízo de inferência; (ii) estas deverão permitir que nelas se apoie a conclusão inferida; e (iii) a conclusão inferida (de que se encontram provados os elementos essenciais do crime) deverá ser estabelecida para além de dúvida razoável. A estes requisitos devem acrescer garantias processuais destinadas a assegurar que o juízo de inferência seja racionalmente exposto e sindicável por via de recurso. Onde tais exigências se mostrem cumpridas – como é o caso do ordenamento processual penal português −, a prova indireta é perfeitamente admissível à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Importa, pois, concluir que o recurso a prova indiciária, designadamente a presunções judiciais, não con- tende com o princípio da presunção de inocência do arguido.». Por outro lado, no que respeita ao outro parâmetro constitucional cuja violação era invocada pelo aí recorrente – a imposição de estrutura acusatória do processo penal –, o referido acórdão, depois de proceder a uma análise da jurisprudência constitucional sobre a densificação do princípio do acusatório e de remeter, a esse respeito, para o Acórdão n.º 124/90 (cuja fundamentação transcreve em parte no seu ponto 10), afirma ainda o seguinte: «11. O pressuposto da argumentação desenvolvida pelo recorrente, a propósito do presente parâmetro de constitucionalidade, é o de que a norma sindicada permite ao tribunal de julgamento, através do recurso a prova indiciária, desincumbir a entidade acusadora – o Ministério Público – de provar, para além da dúvida razoável, a culpabilidade do acusado, transferindo para este o ónus de demonstrar a sua inocência. Porém, como se viu, não é este o sentido da norma em apreciação, na medida em que os estalões probatórios válidos em diversas fases processuais ou em específicos âmbitos de decisão – desde indiciação, fraca ou forte, até a convicção isenta de dúvida razoável −, não estão indexados a diferentes meios de prova. Com efeito, não se vislumbra de que modo a admissibilidade do recurso a prova indiciária e presunções judiciais, em fase julgamento e como fundamento probatório de uma decisão condenatória, contende com a estrutura acusatória do processo penal. Por um lado, os factos probandos que possam ser provados através de prova indiciária são exclusivamente os enunciados na peça acusatória previamente deduzida, quer se trate de acusação pública, de acusação particular ou de decisão instrutória de pronúncia. Em suma, a não taxati- vidade dos meios de prova não implica a elasticidade do objeto do processo, tal como delimitado pelo titular
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