TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
334 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL formalismos observados na tomada de tais declarações. De resto, o tribunal a quo refere que as mesmas foram pres- tadas nos termos do artigo 271.º do CPP, o que implica que o tenham sido na presença de defensor do arguido. Por outro lado, sendo certo que este instituto implica particulares exigências constitucionais de concordância prática entre o interesse da vítima, o interesse da descoberta da verdade material e a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido, as mesmas foram ponderadas na jurisprudência citada (cfr., em especial, os pontos 7.2, 8.2 e 8.3 do Acórdão n.º 367/14), nada havendo de relevante que motive a sua alteração. 7.3. Em face do exposto, não sendo invocado nem existindo qualquer novo argumento que motive uma repon- deração da referida jurisprudência e não se vislumbrando que a interpretação normativa sindicada nos presentes autos viole qualquer outro parâmetro constitucional, profere-se decisão negando provimento ao recurso, nesta parte, nos termos permitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. 8. No que que respeita à segunda questão de constitucionalidade, reportada ao artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal, «no sentido de ali não se exigir a prova de violência física, ameaça grave ou colocação da vítima em estado preordenado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir, adequados a vencer a autodeterminação sexual da ofendida», o objeto do recurso prende-se exclusivamente com a eventual inconstitucionalidade da decisão recor- rida, em si mesma considerada. Conforme referido, a fiscalização do Tribunal Constitucional português, no âmbito da fiscalização concreta, incide apenas sobre normas ou sobre determinadas interpretações normativas, não detendo este Tribunal compe- tência para rever ou reexaminar, de qualquer outro modo, as decisões proferidas pelos outros tribunais, designa- damente no que se reporta à seleção e interpretação do direito infraconstitucional e à sua posterior aplicação aos factos controvertidos. No caso dos autos, não obstante o recorrente reportar esta questão a uma suposta “interpretação” do artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal, que entende ser inconstitucional, o que está em causa, verdadeiramente, é a correta interpretação daquele preceito e a decisão do caso concreto; não qualquer critério normativo de decisão aplicado, autonomamente, pelo tribunal recorrido. Com efeito, o recorrente pretende ver esclarecido e determinado por este Tribunal se as circunstâncias concretas em causa (isto é, os factos dados provados nos autos) são subsumíveis a tal previsão legal, designadamente se «integram violência física adequada», para a verificação do tipo legal pelo qual veio a ser condenado – em suma, se tais factos preenchem o conceito de constrangimento previsto em tal preceito. Tal é patente na forma como a questão foi colocada perante o tribunal a quo, em que o recorrente refere que «[o]s factos provados não preenchem o tipo de crime de violação do artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal, por- que não integram violência física adequada para vencer a autodeterminação sexual da ofendida (ameaça grave ou colocação da vítima em estado preordenado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir), não sendo sequer suscetíveis de subsunção ao n.º 2, […] não podendo pois o Arguido ser condenado com base em factos conclusi- vos, porque não pode ser penalmente condenado com base em abstrações e generalidades» [cfr. conclusão kk) do recurso interposto para aquele tribunal]. É, por conseguinte, evidente a inidoneidade do objeto do presente recurso quanto a esta questão, o que deter- mina o não conhecimento do respetivo mérito. 9. A terceira questão de constitucionalidade tem como objeto o artigo 127.º do CPP, «na interpretação segundo a qual a “livre apreciação da prova” permite estabelecer presunções judiciais», ou seja, em rigor, o recorrente pre- tende questionar uma interpretação de tal preceito no sentido de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais. Segundo o recorrente, aquela norma, ao não estabelecer os limites para “a livre convicção” e ao socorrer-se do conceito de “regras de experiência comum” e ao permitir subsidiariamente a aplicação do preceituado no artigo 348.º do Código Civil – devendo depreender-se que o recorrente pretenda referir-se antes aos artigos 349.º e 351.º do referido Código –, viola o disposto nos n. os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição, maxime o princípio da pre- sunção de inocência [cfr. conclusão jj) das alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa]. Este Tribunal, no Acórdão n.º 391/15, já se pronunciou sobre uma dimensão normativa em tudo semelhante à que está em causa nos presentes autos, tendo concluído pela não inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite
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