TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

333 acórdão n.º 606/20 tráfico de pessoas. É que, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 271.º do CPP, é exatamente nessas situações – naquelas em que estejam em causa testemunhos a prestar por vítimas do crime de tráfico de pessoas ou de crime contra a autodeterminação sexual – que o juiz de instrução pode, a requerimento do Ministério Público, proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, «a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento». Todas as ponderações que o Tribunal fez quanto à tomada de «decla- rações para memória futura» nos casos de crime de abuso sexual de menores são assim transponíveis para a presente  fattispecie , em que está em causa o crime de tráfico de pessoas. Por outro lado, o facto de, no caso  sub judice , os arguidos, ora recorrentes, terem requerido a audição em audiência de julgamento das «declarações para memória futura», em nada altera a validade da argumentação seguida pelo Tribunal no Acórdão n.º 367/14. Na verdade, e como aí se disse (cfr.  supra , ponto 8.3.), embora «nada [impeça] o arguido de, já na fase de audiência de discussão e julgamento, exercer o seu direito subjetivo público de audiência, requerendo a leitura das declarações e a sua reapreciação individualizada, e atacando a sua eficácia persuasiva», o facto é que «[o] uso efetivo desse direito, como é bom de ver, é algo que já não interessa ao princípio do contraditório nem ao seu recorte constitucional» (ênfase acrescentado). Não seria seguramente a mera exibição ou leitura ritualística das declarações para memória futura que acrescentaria, no presente caso, o que quer que seja às oportunidades de defesa dos arguidos. Como o Tribu- nal sempre tem dito, em jurisprudência firme (vide por exemplo, os Acórdãos n. os  434/87, 172/92, 372/00, 279/01 e 339/05), «o conteúdo essencial do princípio do contraditório está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar». Ora, não restam dúvidas de que, no caso, foram dadas aos arguidos todas as amplas e efetivas possibilidades de discutir, contestar e valorar as declarações prestadas pelos seus concidadãos ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 271.º do CPP, uma vez que em cumprimento do disposto no n. os  3, 5 do referido preceito, não só os defensores dos arguidos estiveram presente durante as inquirições (tendo nelas podido formular perguntas adicionais, conforme o previsto pelo n.º 5 do artigo 271.º), como, além disso, as declarações prestadas foram – como manda o artigo n.º 1 do artigo 364.º – docu- mentadas através de registo áudio ou audiovisual, encontrando-se aliás transcritas nos autos. É certo que, como se disse no Acórdão n.º 367/14, «a previsão de prestação de declarações para memória futura […] constitui, per se, uma compressão dos princípios da imediação, e da oralidade». Contudo, como também aí se disse, tal com- pressão, para além de não ser mitigada pela obrigatoriedade da leitura daquelas declarações em audiência de julgamento, encontra-se constitucionalmente justificada; e o desenho do regime legal que a traduz assegura – como acabou de ver-se – que, nos casos concretos, sejam eficientemente garantidas as exigências decorrentes dos n. os  1 e 5 do artigo 32.º da CRP.». 7.2. A fundamentação destes arestos é transponível para a situação dos autos, sendo de concluir, com base na mesma, que a interpretação normativa questionada não viola os princípios da imediação, da oralidade, do contra- ditório e da publicidade, enquanto “garantias de defesa” do arguido, decorrentes do artigo 32.º, n. os 1 e 5, da CRP. Por outro lado, embora o recorrente tenha invocado também a violação do direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo, consagrados nos n. os 3 e 6 do artigo 32.º da CRP, é manifesto que não ocorre a violação de tais parâmetros. Com efeito, desde logo, a dimensão normativa questionada – reportada apenas à não obrigatoriedade da leitura na audiência de julgamento das declarações prestadas para memória futura – não implica qualquer limitação aos referidos parâmetros, pois em nada contende com a escolha de defensor pelo arguido ou com o direito deste a ser assistido pelo seu defensor. Na verdade, embora o arguido refira que as declarações para memória futura foram «prestadas na ausência do arguido, sem defensor por si escolhido, sem que o mesmo tivesse sequer conhecimento do âmbito do processo» [cfr. conclusão l) do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa], na dimen- são normativa objeto do presente recurso não está em causa qualquer problema atinente às circunstâncias e aos

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=