TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Estando em causa declarações do ofendido – rectius , provas constituendas , ainda que documentadas em auto – o contraditório deve realizar-se aquando da respetiva aquisição, isto é, durante o interrogatório previsto nos n. os 3 e 5 do artigo 271.º, do CPP. Apesar de este interrogatório não seguir os ditames do artigo 348.º, do CPP ( cross-examination ), certo é que é nesse momento que se revela mais importante conferir ao arguido, em cumprimento dos imperativos constitucionais, a possibilidade efetiva de contribuir para as bases da decisão. Obviamente que, integrando os autos (de declaração) os meios de prova elencados pela acusação, nada impede o arguido de, já na fase de audiência de discussão e julgamento, exercer o seu direito subjetivo público de audiência, requerendo a leitura das declarações e a sua reapreciação individualizada, e atacando a sua eficácia persuasiva. O uso efetivo deste direito, como é bom de ver, é algo que já não interessa ao princípio do contra- ditório nem ao seu recorte constitucional. Por outro lado, a previsão de prestação de declarações para memória futura – obrigatória, no caso dos crimes contra a autodeterminação sexual de menor – constitui, per se, uma compressão dos princípios da ime- diação e da oralidade, limitação essa que, apesar de constitucionalmente justificada (vide supra o ponto 7.2), não é mitigada pela obrigatoriedade de leitura daquelas declarações em audiência de julgamento. Na verdade, requerendo a oralidade que a atividade processual seja exercida na presença dos sujeitos pro- cessuais, por oposição a um “processo escrito”, é no mínimo estéril argumentar que a leitura – necessariamente “oral” – dos autos de onde constam as declarações ainda é reclamada por aquele princípio. Com efeito, os bene- fícios impulsionados pela oralidade, uma vez subtraídos ao “usufruto” do juiz do julgamento, estão, à partida, perdidos, e só poderão ser recuperados caso este entenda ser necessário para a descoberta da verdade material, possível e não atentatório da saúde física e psíquica da vítima menor a prestação de novo depoimento em sede de julgamento (cfr. os artigos 271.º, n.º 8, e 340.º, do CPP). Finalmente, alçam-se vários obstáculos à argumentação de que a leitura obrigatória das declarações decorre do princípio da publicidade da audiência, enquanto “trave-mestra” de um processo acusatório. Desde logo por- que, nos crimes contra a autodeterminação sexual, a concordância prática dos interesses em presença já impõe, por si mesma, evidentes compressões ao princípio da publicidade, as quais encontram consagração, no direito infraconstitucional, nos artigos 87.º, n.º 3 e 88.º, n.º 2, alínea c), do CPP. Acresce que a leitura das declarações em audiência não tem arrimo na teleologia normativa inerente ao princípio da publicidade, que é a de “dissipar quaisquer desconfianças que se possam suscitar sobre a inde- pendência e a imparcialidade com que é exercida a justiça penal” (Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 222). Aquela, por ressonância da jurisprudência do TEDH, reclama não só uma justiça efetiva, como também uma “aparência de justiça”, pois, como se enfatizou no acórdão n.º 279/01 (já mencionado), “a confiança da comu- nidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais ao administrarem a justiça atuem de facto em nome do povo”. Contudo, o princípio (fundamental) da publicidade basta-se, neste capítulo, com a leitura da sentença (cfr. artigo 87.º, n.º 5, do CPP) e com a “disponibilidade pública das razões da decisão”(José António Mouraz Lopes, A fundamentação da sentença no sistema penal português – Legitimar, diferenciar e simplificar, Almedina, Coimbra, 2011, p. 101), algo que só de per se já permite ao público a fiscalização da decisão e possibilita à comunidade o conhecimento daqueles elementos tidos por fundamentais e decisivos para a formação da con- vicção do julgador (cfr. o Acórdão n.º 27/207, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) .». No Acórdão n.º 399/15, por sua vez, depois de se reiterar a fundamentação do Acórdão n.º 367/14, acrescen- tou-se o seguinte: «8. É de acordo com toda esta fundamentação que deve resolver-se a questão colocada ao Tribunal no presente caso. Com efeito, a validade substancial da argumentação já usada pelo Tribunal não pode ser questionada pelo facto de, na questão sub judice , não estar em causa a prática de crime de abuso sexual de crianças (como ocorrera no processo que deu origem ao Acórdão n.º 367/14) mas, diversamente, a condenação por crimes de
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