TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

329 acórdão n.º 606/20 «4. Preliminarmente, e uma vez que ambos os recursos em análise foram interpostos com base na alínea b) , do artigo 70.º, n.º 1, da LTC e na sequência de dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, importa recordar que os mesmos recursos foram admitidos por esse mesmo tribunal já depois de a suas duas decisões se terem tornado definitivas, na sequência da prolação dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e de a respetiva irrecorribilidade se encontrar estabelecida nos autos. Assim, na linha do entendimento sufragado no Acórdão n.º 329/15 (acessível, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) , enten- de-se que a irregularidade decorrente da inobservância do ónus de exaustão dos recursos ordinários, nomeada- mente com referência ao momento em que os dois recursos de constitucionalidade foram interpostos (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), foi objeto de sanação posterior. 5. O recurso de constitucionalidade português é, em qualquer uma das suas modalidades, exclusivamente normativo. […] Por outro lado, o recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC – a que se reporta, em primeira linha, o artigo 280.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição – prevê a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo: a respetiva questão deve ter sido suscitada durante o processo, de modo a confrontar a instância recorrida com esse problema, e criando, quanto à mesma, um dever de decisão (cfr. também o disposto no artigo 72.º, n.º 2, daquele diploma). […] Acresce que o recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, «é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil» […] Por isso, o objeto do recurso de constitucionalidade deve coincidir com a ratio decidendi da decisão recorrida. A utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando, designadamente, o critério normativo sindicado não coincide com o que foi aplicado pelo tribunal a quo. […]. § 1.º – Quanto ao primeiro recurso interposto pelo arguido 6. Tendo em atenção o que consta do respetivo requerimento de interposição, o primeiro recurso de constitu- cionalidade tem por objeto as seguintes questões: i) A inconstitucionalidade das normas dos artigos 356.º, n. os 2, alínea a) , e 9, e 327.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (“CPP”), «no sentido de permitirem a dispensa de leitura das declarações para memória futura em audiência de julgamento»; ii) A inconstitucionalidade da interpretação conferida ao artigo 164.º, n.º 1, do CP, no sentido de não se exigir a prova de violência física, ameaça grave ou colocação da vítima em estado preordenado de incons- ciência ou de impossibilidade de resistir, adequados a vencer a autodeterminação sexual da ofendida; iii) A inconstitucionalidade da interpretação conferida ao artigo 127.º do CPP na interpretação segundo a qual a “livre apreciação da prova” permite estabelecer presunções judiciais; iv) A inconstitucionalidade da interpretação conferida ao artigo 70.º do CP. 7. No que respeita à primeira questão de constitucionalidade acima enunciada, conforme resulta do reque- rimento de recurso e da suscitação da questão perante o tribunal a quo [cfr. conclusões l) e m) das alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa], o recorrente, ao sindicar a indicada interpretação nor- mativa dos citados preceitos, pretende questionar que as declarações para memória futura possam ser valoradas enquanto meio de prova para efeito de formação da convicção do tribunal, caso não tenham sido lidas em audiên- cia. É o que resulta dos termos em que tal questão foi suscitada: « l) No caso dos autos, a Ofendida [...] não foi inquirida em audiência de discussão em julgamento, não tendo sido lida nessa audiência as declarações para memória futura, prestadas na ausência do arguido, sem defensor por si escolhido, sem que o mesmo tivesse sequer conhecimento do âmbito do processo, e numa fase de inquérito altura em que a defesa não tinha acesso ao processo por estar em segredo de justiça, sendo porém valoradas na sentença como principal – senão mesmo único – meio de prova

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