TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mais importante ainda, do ponto de vista da autonomia financeira dos municípios, é a caracterização da derrama municipal como imposto acessório do IRC, e não apenas dele dependente: a sua existência pressu- pões a efetiva sujeição ao imposto principal (cfr. o 18.º, n.º 1, do citado Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais; cfr., quanto à evolução a este respeito daquele regime jurídico, além do já mencionado Acórdão n.º 275/98, n.º 5, também a apreciação crítica deste aspeto feita por Casalta Nabais, ob. cit. , pp. 77 e 78). De todo o modo, e conforme referido, a interpretação dos dados normativos infraconstitucionais – no que ora releva, a caracterização da derrama municipal prevista naquele artigo 18.º como um adicionamento ao IRC – constitui o ponto de partida da apreciação da constitucionalidade a realizar por este Tribunal em sede de fiscalização concreta (cfr. supra o n.º 4), sendo certo, para mais, que o objeto material do presente recurso se cinge ao artigo 91.º, n.º 1, alínea b) , do Código do IRC. Nesta perspetiva, a integração da coleta da derrama municipal na “fração do IRC” ora em apreciação é uma consequência necessária da sua caracte- rização como adicionamento àquele imposto, a que, de resto, e como aludido, nem sequer a argumentação da recorrente, designadamente a propósito das situações em que exista CDT, escapa. Daí a pertinência e o acerto do seguinte entendimento expresso no acórdão de 2 de novembro de 2018: «Certo é que a derrama conserva a natureza de um imposto autónomo em relação ao IRC no sentido em que todos os seus elementos essenciais ou constam da lei (sujeito ativo, margem de taxas) ou dependem da iniciativa da autarquia local (facultatividade de tributação, definição da taxas concretamente aplicáveis), enquadrando-se no âmbito dos poderes tributários das autarquias que são reconhecidos constitucionalmente (artigo 238.º, n.º 4). Mas essa autonomia, quer no plano normativo, quer no plano da relação tributária concreta, já ocorria quando a derrama era tida como um adicional ao IRC. No mais, a derrama continua a caracterizar-se como um imposto acessório, na medida em que apenas é devida quando seja exigível, em concreto, a prestação tributária principal , sub- sistindo nessa mesma medida uma relação de dependência [– por assim dizer, existencial , e não meramente técnica –] entre o imposto municipal e o imposto estadual. […] [A] dedução de um crédito por dupla tributação internacional na coleta da derrama municipal, no ponto em que esta se entenda como constituindo fração de IRC, em nada interfere com a autonomia financeira dos municí- pios. A opção legislativa prende-se com considerações de política fiscal que respeitam exclusivamente a um imposto estadual e que, podendo determinar a redução do montante do imposto a pagar pelo sujeito passivo, não afeta nem restringe a receita que é legalmente atribuída às autarquias locais nem limita os poderes de gestão que se enquadram no poder autonómico.» (itálicos acrescentados) Com efeito, nos termos dos artigos 14.º, alínea c) , e 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, o produto da cobrança das derramas municipais que o Estado deve entregar aos municípios, a título de receita municipal, é, desde logo, pré-determinado pelo montante de imposto legalmente devido ao Estado pelos sujeitos passivos de IRC, o qual resulta não apenas da aplicação da taxa pertinente ao lucro tributável (incluindo a taxa concreta fixada por cada município), mas também das dedu- ções legalmente devidas (cfr. o artigo 90.º do Código do IRC). Esta é uma condição necessária, pois só assim se garante que, nos termos da presente configuração legal da derrama municipal, todo o lucro tributável a ela sujeito se encontre também sujeito ao IRC, de modo a que a coleta da primeira corresponda, na proporção fixada por cada município nos limites da lei, à coleta do segundo.

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