TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

321 acórdão n.º 603/20 tribunais para outros efeitos constitucionais” (Acórdãos n. os 230/86, 52/92 e 250/96). E enquanto categoria de tribunais constitucionalmente consagrada, eles estão sujeitos aos mesmos limites que impendem sobre os tribunais estaduais, as suas decisões têm natureza jurisdicional, e os árbitros estão submetidos a um estatuto similar ao dos tribunais judiciais, sendo-lhes aplicáveis as exigências constitucionais de independência e imparcialidade como forma de assegurar a confiança na jurisdição arbitral. Deste modo, o tribunal arbitral, quando define o direito aplicável para apreciar um litígio que lhe é submetido, está a exercer a sua função jurisdicional. E, nesse caso, ao adotar uma certa interpretação normativa em vista à reso- lução do caso concreto, não está a derrogar a lei ou a criar uma nova lei ou a sobrepor-se ao princípio da legalidade, mas justamente a exercer a competência judicial que lhe está cometida. Por outro lado, como se deixou exposto, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários vincula a Administração Tributária e não os tribunais. Se a decisão judicial julga procedente o pedido arbitral e anula o ato de liquidação impugnado, a perda do correspondente crédito tributário por parte da Administração é um efeito necessário do julgado, sendo que a deci- são arbitral vincula a Administração e esta fica obrigada a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT), sem que isso represente – como é óbvio – uma qualquer violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, mas antes uma consequência da decisão juris- dicional que dirimiu o conflito. Não está, por isso, em causa – como se torna evidente – uma qualquer violação de princípios constitucionais». 9. Finalmente, importa fazer uma referência ao princípio da autonomia financeira dos municípios, mencionado pela recorrente como tópico hermenêutico contrário à interpretação normativa acolhida pelo tribunal a quo [cfr. as conclusões U) e W) das respetivas alegações]. Porém é, desde logo, a própria recorrente quem não deixa de reconhecer que «quando estejam em causa rendimentos abrangidos por CDT, o valor correspondente à dupla tributação jurídica internacional é deduzido à soma resultante do IRC liquidado segundo as normas do CIRC com o montante da derrama municipal liquidada nos termos da legislação respetiva» [vide, ibidem , a conclusão G) ; cfr. igualmente as conclusões H) , J) e L) ]. Ou seja, «quando se vincula ao cumprimento dos compromissos assumidos numa convenção para evitar a dupla tributação, o Estado Português coloca-se numa posição em que aceita uma eventual redução da receita dos impostos abrangidos, onde se inclui a derrama municipal, na medida em que as convenções celebradas por Portugal aplicam-se aos impostos sobre o rendimento que tenham por sujeito ativo o Estado, uma subdivisão política ou administrativa ou uma autarquia local (artigo 2.º n.º 1), sendo mencionada expressamente, no mesm artigo, a derrama municipal (e, nas mais recentes, a derrama estadual)» [assim, ibidem , a conclusão M) ]. A verdade é que a ideia de que os municípios sejam os sujeitos ativos da relação jurídico-fiscal correspon- dente à derrama municipal nem sequer é pacífica; o que é certo é que os municípios têm direito à receita cor- respondente à derrama municipal lançada nos termos do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, constante da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro [cfr. o respetivo artigo 14.º, alínea c) ]. Na verdade, a derrama municipal, embora lançada pelos municípios, não é por estes liquidada nem cobrada: o que resulta do citado artigo 18.º é que «o produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respetivo apuramento pela AT» (cfr. também o artigo 17.º do mesmo diploma). E, como observa Casalta Nabais, «[e]m rigor, a titularidade das receitas fiscais não se integra na relação jurídica fiscal, antes constitui uma relação de crédito de direito financeiro, constituída a jusante daquela entre a entidade pública que tem a seu cargo a administração dos impostos e o titular constitucional ou legal dessas receitas» (vide Autor cit., Direito Fiscal, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 242, nota 184). Ou seja, enquanto imposto de receita municipal, a derrama municipal, porque administrado pela Administração fiscal do Estado, tem este último como credor da relação jurídico-fiscal correspondente (vide idem , ibidem , p. 243).

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