TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
320 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No presente caso, nem sequer é necessário convocar a legitimidade (constitucional) de uma interpreta- ção corretiva, à semelhança que se fez no Acórdão n.º 516/20 com referência ao Acórdão n.º 182/20: «[D]o mesmo modo que se entende que o princípio da legalidade não exige ao legislador que configure as nor- mas fiscais de modo a possibilitar um cálculo exato e antecipado dos impostos a pagar, também não pode – nem é desejável – que dele se extraiam para o intérprete mais constrangimentos metodológicos do que aqueles que, em cada momento, se têm como válidos e aptos a suportar a interpretação da lei fiscal. […A] interpretação corretiva da lei fiscal não é, em si mesma ou em toda a sua extensão, necessária e automaticamente incompatível com o princípio da legalidade tributária”, sendo, por isso, “inequívoco que a violação de tal princípio não ocorrerá nas hipóteses em que a interpretação corretiva da lei tenha servido apenas para afastar ou excluir o sentido que mais imediatamente decorreria da relevância gramatical do enunciado em benefício daquele que, apesar de corresponder a uma utilização menos imediata dos elementos linguísticos em causa, o texto da lei não exclui de forma categórica ou inequívoca». É que, como bem se salientou no acórdão ora recorrido, «o texto da lei (“fração” do IRC) é suscetível de abranger a derrama municipal (desde logo, por aplicação do princípio accessorium sequitur principale ), ou seja, não exclui (função negativa do elemento gramatical) a interpretação sufragada pela requerente», ora recorrida. Há, assim, boas razões para entender que a interpretação normativa em apreciação não ofende o invo- cado parâmetro do princípio da legalidade fiscal. 8. A alegada violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários [cfr. as conclusões Y) e Z) das alegações da recorrente] fica, deste modo, prejudicada. O referido princípio encontra-se consagrado no artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.» Trata-se de um princípio que decorre do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º da Constitui- ção) e que visa evitar que a Administração, sem permissão do legislador, proceda à renúncia total ou parcial dos créditos tributários. Daí a insistência, na decisão recorrida, de que tal princípio se dirige à Administração e não aos tribunais. É certo que, conforme nota alguma doutrina, «a indisponibilidade dos créditos tributários tem sido, por vezes, invocada em Portugal e em outros países para vedar o acesso à arbitragem em matérias tributárias»; no entanto, «quem o faz não tem razão por diversos motivos [desde logo] atinentes à própria natureza da arbitragem que não põe em causa a indisponibilidade dos créditos tributários. Com efeito, se julgar por um juiz togado os créditos tributários não põe em causa a indisponibilidade destes, não se vê como o julgamento, segundo os mesmos parâmetros de legalidade, por juízes não togados, pode pôr em causa a indisponibilidade dos créditos tributários. E a arbitragem é só isso.» (cfr. Diogo Leite Campos, «A indisponibilidade dos crédi- tos tributários e arbitragem», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 2, n.º 1 – Primavera, p. 64). Daí também a perplexidade expressa no acórdão recorrido e que este Tribunal partilha, subscrevendo a conclusão alcançada naquela decisão: «[A] invocada violação do princípio da legalidade e do princípio da indisponibilidade do crédito tributário é dificilmente compreensível. Os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais expressamente consagrada na Constituição (artigo 209.º, n.º 2), e, como tem sido reconhecido pela jurisprudência constitucional, ainda que não sejam órgãos esta- duais nem se enquadrem na definição de órgãos de soberania, “nem por isso podem deixar de ser qualificados como
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