TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas em matéria fiscal. Como se explicou nos Acórdãos n. os 267/17 e 395/17, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a primeira é necessariamente retroativa, já que a mesma é considerada como “fazendo parte” da segunda. Trata-se, evidentemente, de uma ficção temporal – a ficção de que um facto presente (a entrada em vigor da lei interpretativa) ocorreu no passado (a entrada em vigor da lei interpretada); e a retroatividade das normas interpretativas resulta dessa ficção (assim, vide o Acórdão n.º 395/17). Concretizando no que se refere à norma ora em apreciação (cfr. supra o n.º 7), o caráter interpretativo atribuído à determinação, em 2016, de uma associação necessária da isenção prevista em preceito vigente desde 2003 a certas garantias e operações financeiras, com exclusão de outras, implica que tal exclusão abranja também garantias prestadas e operações financeiras realizadas antes de 2016: ainda que as mesmas tenham sido consideradas isentas, e a menos que os efeitos de tal isenção se devam considerar salvaguardados nos termos da parte final do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil ( v. g. por sentença transitada em julgado), tais garantias e operações passam a dever ser tributadas de acordo com o sentido legalmente fixado sobre o alcance da isenção. Daí suscitar-se a questão da solvabilidade constitucional, designadamente à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, das leis interpretativas que agravem situações fiscais anteriormente definidas em consequência da ocorrência do pertinente facto tributário. § 4.º – A inconstitucionalidade de leis interpretativas no âmbito de aplicação da proibição da retroatividade fiscal (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição) 10. A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: por contraposição à lei inovadora, aquela visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato normativo anterior. A mesma não pretende criar direito novo, antes tem como objetivo esclarecer o sentido “correto” do direito preexistente. «O órgão competente que cria uma lei (por exemplo, a Assem- bleia da República) tem também a competência para a interpretar, modificar, suspender ou revogar» (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador , Almedina, Coimbra, 1983, p. 176). Está em causa, afinal, uma manifestação da mesma competência legislativa que é fonte em sentido orgânico do ato interpretando (cfr. idem , ibidem ). E, por ser de valor igual a este último, a lei interpretativa determina-lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção hermenêutica de tal interpretação. Por isso, a interpretação da lei fixada pelo próprio legislador – a chamada “interpretação autêntica” – «vale com a força inerente à nova manifestação de vontade» do respetivo autor (cfr. Autor cit., ibidem , p. 177). Daí a aludida consequência de a lei interpretativa se integrar na lei interpretada (cfr. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil). Por isso mesmo, como se referiu no Acórdão n.º 267/17, pode, de acordo com certa conceção, falar-se de uma retroatividade meramente formal inerente a toda a lei – tida por “verdadeiramente” ou “genuina- mente” – interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior – cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador , Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Com efeito, «a retroação [das leis interpretativas] justifica-se, além do mais, por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legítimas dos interessados. Estes podiam contar com a solução da [lei nova] interpretativa, visto ela corresponder a um dos vários sentidos atribuídos já pela doutrina e pela jurisprudência à [lei antiga]»: assim, é «de sua natureza interpretativa a lei que, sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controver- tida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adotado» (cfr. Baptista Machado , Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, pp. 286-287).

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