TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
318 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aberto à interpretação, em nome da conciliação da ideia de legalidade com outros princípios constitucionalmente relevantes, no plano fiscal. Nas palavras do Acórdão n.º 127/04, “o princípio da igualdade tributária reclama que os conceitos tenham a abertura ou plasticidade semântica suficiente para poder abarcar as realidades que expressam a capacidade tributária elegida, os níveis de riqueza ou de rendimento tributando, e que esse objetivo possa ser rea- lizado não só no plano abstrato da previsão dos tipos tributários, mas também no plano da sua aplicação concreta, em que se situam o combate à evasão e a praticabilidade do sistema”. Nos termos do Acórdão n.º 756/95, é esta plasticidade que permite “a adaptação ao constante aparecimento de novas situações que, substancialmente iguais a outras já tributadas, não estejam ainda formalmente descritas com precisão” e que procura, também, evitar a fuga aos impostos. Desse balanço resulta uma margem de valoração legítima que não equivale, em absoluto, ao exercício de um poder público arbitrário. Na verdade, pelo contrário, é a referida possibilidade de adaptação que permite a satisfação da finalidade de justiça tributária desejada pelo Estado (José Luís Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional , Coimbra Editora, 2006, pp. 32-34). Tal racionalização sistémica é elemento essencial, em sede de tutela jurisdicional, quando os contribuintes se veem confrontados com uma cobrança tributária que entendem não ser devida por não estar preenchida a exigência de previsibilidade nos termos suficientemente densificados que o princípio da legalidade fiscal reclama. Contudo, nem sempre se verifica uma relação direta e clara entre uma alegada ofensa à legalidade tributária e a referida plasticidade. Mantendo-se os critérios paramétricos antes aprofundados, pode acontecer, também, que se questione a eventualidade de uma distorção significativa dos elementos essenciais dos impostos, em termos passí- veis de afetar a mencionada previsibilidade.» Nos presentes autos, entende a recorrente que o standard de legitimidade da margem de valoração do sentido normativo dos elementos essenciais da tributação ( maxime , do escopo das deduções à coleta com fundamento na dupla tributação jurídica internacional), em termos sistemicamente coerentes, foi ultrapas- sado, infringindo o disposto na Constituição. Mas sem razão. As explicações dadas no acórdão de 2 de novembro de 2018 no sentido de fundamentar a interpretação normativa do artigo 91.º, n.º 1, alínea b) , ora sindicada, justificam plenamente a inexistência, in casu , de uma distorção ou transfiguração aleatória, constitucionalmente vedada, da derrama municipal em virtude da respetiva consideração para efeitos de cálculo do crédito de imposto por dupla tributação jurídica inter- nacional. No citado acórdão, o tribunal a quo afirmou o seguinte: «Temos, em primeiro lugar, que a derrama municipal é um imposto acessório do IRC (atualmente, um adi- cionamento), incidindo sobre o lucro dos sujeitos passivos deste imposto. Assim sendo, o texto da lei (“fração” do IRC) é suscetível de abranger a derrama municipal (desde logo, por aplicação do princípio accessorium sequitur principale ), ou seja, não exclui (função negativa do elemento gramatical) a interpretação sufragada pela requerente [ora recorrida]. Importará agora tentar na evolução do texto da norma (elemento histórico da interpretação), ou seja, na utili- zação, pelo legislador, da expressão “fração do IRC”. Há que começar por assinalar que esta expressão permanece inalterada no texto legal desde a primitiva redação do CIRC. O que assume particular relevo interpretativo porquanto, inicialmente, o crédito de imposto por dupla tributação internacional apenas era conferido aos rendimentos oriundos de países com os quais Portugal tivesse em vigor uma CDT. Ou seja, na redação inicial da norma, a expressão “fração de imposto” tinha, necessariamente e em todos os casos, que ser interpretada em conformidade com os textos convencionais, os quais, no seu n.º 2 (impostos visa- dos), independentemente da formulação em concreto utilizada, abrangem a derrama municipal.
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