TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
315 acórdão n.º 603/20 In casu , a recorrente alega que a violação do princípio da igualdade decorre de um tratamento igual de situações, que, por serem diferentes, exigiriam um tratamento jurídico também ele desigual. A diferença em causa residiria na existência, ou não, de uma CDT aplicável. Com efeito, para a recor- rente, só existindo uma CDT, deve a derrama municipal ser considerada como parte da “fração do IRC” em causa [cfr. as conclusões I) a M) e O) e P) das suas alegações], porquanto em tal circunstância o Estado terá aceitado – para mais, sob condição de reciprocidade de tratamento – «uma eventual redução da receita dos impostos abrangidos, onde se inclui a derrama municipal, na medida em que as convenções celebradas por Portugal [se aplicam] aos impostos sobre o rendimento que tenham por sujeito ativo o Estado, uma subdivisão política ou administrativa ou uma autarquia local» (cfr. ibidem , a conclusão M) . E, assim sendo, o tratamento igual de situações de facto diferentes – uma vez que, na ausência de uma CDT, a derrama municipal também foi considerada como integrante da “fração de IRC” – redunda na violação do princípio da igualdade [cfr. ibidem , as conclusões P) e R) ]. A verdade, porém, é que, na ótica do critério normativo ora sindicado, nem a consideração da derrama municipal para efeitos de determinação do crédito de imposto ao abrigo do n.º 1, alínea b) , do artigo 91.º do Código do IRC se encontra associada à existência de qualquer CDT, nem a existência de uma CDT deixa de constituir fator de diferenciação relativamente à tributação de sujeitos passivos que se encontrem nas mesmas circunstâncias, isto é, que percebam rendimentos no estrangeiro (cfr. o n.º 2 do mesmo preceito). Quanto ao primeiro aspeto, o ponto decisivo é o de que, para efeitos da norma sindicada, a derrama municipal, quando lançada pelo município (cfr. o artigo 18.º do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro), é entendida como um adicionamento ao IRC, razão por que a sua coleta, tal como a da derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC, se soma necessariamente à coleta daquele imposto. Consequentemente, em termos de capacidade contributiva e de tributação em sede de IRC, a situação dos sujeitos passivos deste imposto é, à partida, constante, independentemente do local de origem do respetivo lucro tributável. Isso mesmo é confirmado pela comparação entre os dois grupos de sujeitos considerados pela recorrente: os sujeitos passivos da derrama municipal com rendimentos obtidos em países com os quais Portugal não celebrou uma CDT (grupo alvo) e os sujeitos passivos da derrama municipal com rendimentos obtidos em países com os quais Portugal celebrou uma CDT (par comparativo). Como este Tribunal tem entendido para efeitos de controlo do princípio da igualdade, estando em causa um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que preside à qualificação das mesmas como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela ratio do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico (cfr. o Acórdão n.º 232/03, transcrevendo as palavras de Maria da Glória Garcia, Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘carre- gada’ de sentido? ). In casu , e conforme referido, o objetivo prosseguido pelo artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC é igualizar, segundo a lógica do princípio da neutralidade na exportação, e por via da atribuição de um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, o imposto a pagar pelos sujeitos passivos de IRC cujos rendimentos têm a sua fonte localizada apenas em Portugal e aqueles contribuintes de IRC que também percebem rendimentos com origem num país terceiro (cfr. supra o n.º 5). Nessa perspetiva, a exis- tência de uma CDT entre Portugal e o outro Estado onde se localiza a fonte dos rendimentos é irrelevante, pois em face do único tertium comparationis a considerar atenta a mencionada ratio – isto é: a qualidade ou característica que é comum às situações a comparar e que, no caso, corresponde à perceção de rendimentos com fonte no estrangeiro – as situações do grupo alvo e do par comparativo não se distinguem. Por isso mesmo, têm de ser tratadas de modo igual. De resto, é o que resulta da aludida eliminação da referência a que a dedução relativa à dupla tributação fosse «apenas aplicável quando resultar de convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal», conforme inicialmente previsto no antigo artigo 73.º do Código do IRC, na sua redação originária. Com efeito, neste domínio da dupla tributação o direito interno portu- guês em matéria de IRC adotou regras de harmonização fiscal que devem ser aplicadas independentemente do direito convencional.
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