TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
308 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Q) Como refere o Prof. Manuel Pires no seu voto de vencido à decisão de 02/11/18, prolatada no âmbito do presente processo (1.ª decisão arbitral), quanto às razões objetivamente fundadas que justificam o tratamento desigual de situações de facto desiguais, e com o qual concordamos em absoluto: Extrapolar-se a mesma solução para as normas unilaterais com o objetivo da eliminação das duplas tribu- tações dá lugar ao quod erat demonstrandum . Acresce implicar esta orientação desconsiderar resultarem as soluções convencionais de vantagens obtidas e cedências aceites, isto é, do equilíbrio encontrado, o que torna inaceitável a sua aplicação em contextos diferentes, isto é, às ditas normas unilaterais, o law in action rejei- ta-a, seria uma aplicação mutatis mutandis da cláusula da nação mais favorecida, totalmente de rejeitar, não havendo, portanto, lugar a qualquer discriminação (as situações são diferentes e o intérprete não pode assumir a posição do judge made treaties ). É que, no âmbito das duplas tributações, como, aliás, em muitos quadros, existem visões próprias que têm de ser apreendidas, que não podem ser desconsideradas, visto imporem-se. Aliás, inexiste princípio que rejeite a se a dupla tributação. Também a tributação no país exportador do capital – igualdade de tributação, neste pais, dos rendimentos gerados externa e internamente ( CEN ) – (elemento teleológico) não determina a inclusão da derrama municipal na “fração do IRC “, visto essa igualdade ter a extensão que esse país estabeleça (por exemplo, para a política do CEN ser adotada na plenitude, ter-se-ia de acolher, para eliminar a dupla tributação, o método da imputação ou crédito total, o que nunca sucede, em Portugal e nos outros países, visto adotar-se o método da imputação normal ou crédito ordinário, segundo o qual não se deduz a totalidade do imposto estrangeiro, quando é mais elevado do que o doméstico, não se atingindo, assim, a igualdade do imposto entre os rendimentos externos e internos no Estado da exportação do capital). Igualmente, justifica-se a tributação, na derrama municipal, em virtude do elemento de conexão residência, a par do elemento de conexão fonte, dado, e é apenas um dos muitos fundamentos, a localização da residência ser factor para a produção do rendimento. E, como conclui, ainda no voto de vencido prolatado em 14/01/20, relativo à segunda decisão arbitral ora recorrida: Consequentemente, a posição contrária maioritária que conduziu à decisão implica tratar de modo igual situações desiguais ou, de outro modo, completando a enunciação do princípio da igualdade, não tratar de modo desigual situações desiguais na medida dessa desigualdade. R) Donde, a interpretação que o Tribunal arbitral ora recorrido fez da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC é violadora do princípio da igualdade, por ter tratado de forma igual situações desiguais, dispensando o mesmo tratamento a residentes que obtenham rendimentos fora do território nacional independentemente de Portugal ter, ou não, celebrado com esses Estados Convenção para Eliminar a Dupla Tributação, sendo que o diferente tratamento é objetivamente fundado nas Convenções celebradas pelo Estado português que só no quadro das mesmas admite limitar a sua soberania fiscal e incluir a derrama municipal no cálculo da fração de IRC, para efeitos de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, que não é um princípio que se imponha por si mas que, uma vez que envolve soberanias fiscais distintas, carece de negociação entre Estados tendo em vista delimitar o âmbito e a medida de perda de cada soberania, sempre num quadro de reciprocidade. Por outro lado: S) O n.º 2 do artigo 103.º da Constituição estabelece que os “impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Do preceito constitucional decorrem comandos que têm por destinatário o legislador, mas também o intérprete. De facto tal reserva de lei impli- ca, para este, o respeito pelos limites expressos constantes, designadamente, das normas tributárias. Não é conforme à CRP, pois, uma interpretação que contrarie o quadro legal das situações sujeitas a imposto, por exemplo, se isso implicar que seja tributada uma realidade que se encontra claramente fora da zona de abran- gência da norma de incidência, assim como não é conforme à CRP uma interpretação que implique que seja abrangida na lei uma situação claramente fora dela.
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