TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Este contributo ativo para a reflexão, ponderação e decisão da estratégia a seguir pelo arguido integra a pró- pria natureza da representação no foro. Se é certo que desvios à dinâmica-padrão podem, em certos casos, merecer especiais cautelas (e especial tutela), como seja o caso de um defensor nomeado em substituição do primitivo, não é menos certo que, à falta de ocorrências desviantes, deve presumir-se a normalidade do escrupuloso cumprimento dos deveres funcionais e deontológicos do advogado, incluindo o de transmitir ao seu cliente as informações relevantes do processo – que não termina, para os efeitos que aqui se discutem, com o trânsito em julgado da decisão penal condenatória –, não existindo uma garantia constitucional de cobertura da inércia ou indiferença aos dados objetivos dos desenvolvimentos processuais. Neste sentido, a comunicação de atos e decisões na pessoa do defensor não prejudica, só por si e à partida, as garantias do arguido, visto que, desse modo, há condições para o defensor – como este Tribunal já o afirmou – “ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso” (Acórdão n.º 109/99). 2.5. Analisada a norma sub judice à luz das considerações precedentes, afigura-se claro – desde já se adianta – que não se prefiguram razões que justifiquem um juízo de censura jurídico-constitucional. Na verdade, ainda que se aplique, sem mais, relativamente ao arresto, o rigoroso padrão do processo penal (para tanto, não retirando consequências, neste plano, da sua diferente natureza – cfr. item 2.3.1., supra ), sempre se imporá um juízo de não desconformidade à Lei Fundamental. Independentemente da resposta a dar à questão do caráter necessário ou facultativo da notificação em causa (que não integra, rigorosamente, a ratio decidendi – vide item 2.2., supra ), há a considerar que o recorrente ( ilustrando-se com a dinâmica concreta do presente processo uma sucessão que pode ser tida como modelar do posi- cionamento da norma sub judice no desenvolvimento do processo penal) : – desde o momento em que foi decretado o arresto preventivo, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, sabe – ou tem todas as condições para saber – que o mesmo se destina a garantir o pagamento da quantia que representa a diferença entre o valor do seu património e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito; – desde o momento em que foi notificado da liquidação, sabe – ou tem todas as condições para saber – qual o valor reclamado no processo a esse título e, relativamente ao mesmo, teve oportunidade de afastar a referida presunção; e – desde a decisão condenatória de primeira instância que passou a contar – ou teve todas as condi- ções para passar a contar – com a possibilidade de se ver vinculado a pagar ao Estado certa quantia ( € 203 040,88), em cujo pagamento foi condenado, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito, constituindo vantagem da atividade ilícita, possibilidade essa que se poderia concretizar por via de (a) não interpor recurso desta decisão; ou (b) o recurso que viesse a interpor desta decisão ser julgado improcedente, cenário com o qual poderia e deveria igualmente contar e que se veio verificar. Perante semelhante dinâmica processual, resulta por demais evidente que a possibilidade de pagamento para extinção do arresto – possibilidade tipificada em lei de forma clara e inequívoca – não surge de forma súbita ou imprevista. Nada autoriza a conclusão de que a pessoa visada pelo arresto, agindo com normal diligência e com aconselhamento técnico-jurídico do seu advogado, se limita a aguardar a notificação prevista no artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro (cuja necessidade não é, sequer pacífica, no plano infraconstitu- cional, como vimos), para então se organizar e decidir pelo pagamento no prazo, necessariamente curto, que lhe for assinalado. Não pode, pois, afirmar-se, como faz o recorrente, que o visado “[…] não teve qualquer oportunidade de pagar voluntariamente ou, pelo menos, diligenciar nesse pagamento, vendo apenas decla- rada a perda dos bens a favor do Estado, sem nada poder fazer”. Pelo contrário, no horizonte de efeitos possíveis do processo, a consolidação do arresto e a posterior venda dos bens são visíveis à distância de muitos meses, até anos, e de inúmeros atos processuais, e bem assim
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