TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

291 acórdão n.º 595/20 A natureza não penal dos meios previstos na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro (designadamente, a apreensão e perda), foi, ainda que implicitamente, admitida pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência atrás referida, apreciação que, apesar de não ser unânime (para uma análise das várias posições a este respeito, vide João Pedro dos Santos Coelho, Perda de bens a favor do Estado na Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro – medida de combate à criminalidade organizada e económico-financeira , dissertação de mestrado, disponível em http://hdl.handle.net/10316/90353 ) , está em linha com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (doravante, TEDH; para uma análise detida sobre a jurisprudência do TEDH nesta matéria, cfr. Hélio Rigor Rodrigues, “O confisco das vantagens do crime: entre os direitos dos homens e os deveres dos estados – a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em matéria de confisco”, in O novo regime de recuperação de ativos à luz da diretiva 2014/42/EU e da lei que a transpôs, Lisboa, INCM, 2018, pp. 39 e seguintes). No acórdão de 23 de novembro de 1976 (caso Engel e outros c. Holanda , queixas n. os 5100/71, 5101/71, 5102/71, 5354/72 e 5370/72), o TEDH estabeleceu critérios para determinar a natureza penal ou não penal de uma sanção, considerando relevantes a sua qualificação formal, natureza intrínseca e grau de severidade. Estes critérios (que mantêm validade geral na jurisprudência do TEDH – vide, recentemente, a título de exemplo, o acórdão de 20 de outubro de 2020, caso Pasquini c. San Marino, queixa n.º 23349/17, especial- mente §34) puderam ser desenvolvidos e concretizados em decisões posteriores. Assim, no acórdão de 9 de fevereiro de 1995 (caso Welch c. Reino Unido, queixa n.º 17440/90), o TEDH considerou que o instituto da perda de bens previsto no Drug Trafficking Offences Act de 1986 tinha a natureza de uma sanção penal, mas, na linha do primeiro acórdão citado, não excluiu que certas medidas de confisco possam ter natureza não penal. Já no acórdão de 5 de julho de 2001, no caso Phillips c. Reino Unido , queixa n.º 41087/98 (já referido nos fundamentos do Acórdão n.º 392/15 – item 2.3.1., supra ), com referência ao Drug Trafficking Act de 1994 ( cujos mecanismos são estruturalmente próximos dos previstos na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro ), a con- clusão foi no sentido da natureza não penal, considerando, designadamente, que “o pedido [de confisco apre- sentado pela acusação] não implica que haja acusação de uma nova infração criminal” e que “o procedimento não tem como objetivo a condenação ou a absolvição de alguma infração criminal […]” (vide, em particular, §§31 e seguintes; tradução livre do relator), classificação que tem sido consistente sempre que o confisco visa unicamente a reposição tendente à eliminação do enriquecimento de fonte ilícita, para reconstituir o status patrimonial que se verificaria se o mesmo não existisse – cfr., inter alia , os acórdãos de 10 de julho de 2007, relativo à admissibilidade da queixa n.º 696/15, caso Dassa Foundation c. Liechtenstein , especialmente o ponto “B.”, de 5 de julho de 2007, relativo à admissibilidade da queixa n.º 69917/01, caso Saccoccia c. Áustria, especialmente o ponto 1./1./(a), e de 5 de julho de 2005, relativo à admissibilidade da queixa n.º 19581/04, caso Van Offeren c. Holanda, especialmente o segmento final [cfr. Hélio Rigor Rodrigues, ob. cit. , p. 53, e João Conde Correia, “« Non-conviction based confiscations » no direito penal português vigente: «quem tem medo do lobo mau?»”, cit., pp. 94/95; a classificação não é, evidentemente, inócua, pois, se uma determinada consequência legal não for qualificada como sanção penal, a proteção da Convenção opera em termos diversos – como se refere no acórdão de 8 de outubro de 2019, caso Balsamo c. San Marino , queixas n. os 20319/17 e 21414/17 “[…] embora seja claro que o artigo 6, §2, rege a globalidade do processo penal, e não apenas a apreciação do mérito da acusação, o direito à presunção de inocência nos termos do artigo 6, §2, só releva por referência à concreta infração que imputada (vide Phillips c. Reino Unido, n.º 41087/98, § 35, ECHR 2001VII)” – tradução livre do relator –, o que não impede, claro está, que a Convenção proteja as pessoas visadas através de outras normas (cfr., designadamente, artigo 1.º do Protocolo n.º 1; acórdão de 12 de maio de 2015, caso Gogitidze e outros c. Geórgia ; Euclides Dâmaso Simões e José Luís Trindade, “Recuperação de Ativos – a actio in rem na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”, in Revista Julgar Online , março de 2016, http://julgar.pt/ ); vide, ainda, o acórdão de 23 de setembro de 2008, caso Grayson & Barnham c. Reino Unido, especialmente §§37 e seguintes]. De todo o modo, e ao contrário do que sucedeu, designadamente, nos Acórdãos n. os 392/15, 476/15 e 498/19, não está em causa o regime substantivo da perda de bens, mas sim o regime processual do n.º 3

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