TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

289 acórdão n.º 595/20 autos em questão, a aí recorrente também havia sustentado ser inconstitucional a referida norma, por entender que a referida «presunção» implica a «consignação da inversão do ónus da prova ou da presunção de inocência», em violação das garantias de processo criminal que são consagradas no artigo 32.º da Constituição, tendo o Tribunal Constitucional entendido não lhe assistir razão, com a seguinte fundamentação: «Na verdade, in casu , a «presunção» contida no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 apenas opera após a condenação, em nada contrariando, pois, a presunção de inocência, consagrada no n.º 2 do artigo 32.º da CRP. Além do mais, trata-se de uma presunção ilidível, como são todas as presunções legais exceto quando o legislador disponha em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil). O princípio de que parte o legislador ao estabelecê-la – princípio cuja não verificação o recorrente sempre poderia ter demonstrado – é o de que ocorreu no caso um ganho ilegítimo, proveniente da atividade criminosa, compreensivelmente reportada ao rendimento do condenado que exceda o montante do seu rendimento lícito.» Conforme decorre do referido Acórdão n.º 101/15, é importante para a apreciação da conformidade consti- tucional deste tipo de medidas de perda alargada de bens, designadamente, para saber se as mesmas ofendem o princípio da presunção da inocência nas suas diversas dimensões, ter em atenção a sua natureza, matéria sobre a qual a doutrina está longe de ter uma posição unânime. […] Tendo presente este debate doutrinal, importa realçar que o estabelecimento da presunção legal cuja cons- titucionalidade é sindicada nos presentes autos não tem em vista a imputação ao arguido da prática de qual- quer crime e o consequente sancionamento, mas sim privá-lo de um património, por se ter concluído que o mesmo foi adquirido ilicitamente, assim se restaurando a ordem patrimonial segundo o direito, o que situa a ques- tão em plano diverso do que foi objeto de análise nos Acórdãos 179/12 e 377/15 deste Tribunal (acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . É certo que a aplicação da medida de perda a favor do Estado, a par deste objetivo, tem uma finalidade de prevenção criminal, evitando que se crie a ideia que o crime compensa, assim como a sua aplicação tem como pressuposto necessário a condenação por um dos crimes do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro. Contudo, conforme já salientou este Tribunal no referido Acórdão n.º 101/15, só com esta conde- nação pela prática de um dos aludidos crimes é que opera a presunção prevista no artigo 7.º, n.º 1, da mesma Lei, sendo que, no incidente de liquidação, a que se refere o artigo 8.º desta Lei, já não está em causa o apuramento de qualquer responsabilidade penal do arguido, mas tão só a determinação de uma eventual incongruência entre o valor do património do arguido e os seus rendimentos de proveniência lícita, incongruência essa que, uma vez demonstrada de acordo com determinados pressupostos, tem como consequência ser declarado perdido a favor do Estado o valor do património do arguido que se apure ser excessivo em relação aos aludidos rendimentos, caso o arguido não ilida aquela presunção de causalidade. A imputação de um crime de catálogo funciona aqui apenas como pressuposto indiciador que poderão ter-se veri- ficado ganhos patrimoniais de origem ilícita , o que justifica, na ótica do legislador, que, no mesmo processo em que se apure a prática desse crime e, eventualmente se conclua pela respetiva condenação, se averigue a existência desses ganhos, em procedimento enxertado no processo penal, de modo a poder determinar-se a sua perda (sobre as vantagens e desvantagens deste procedimento ocorrer enxertado no processo penal onde se apura a prática do crime que é pressuposto da aplicação da medida de perda de bens, vide Pedro Caeiro, ob. cit, pp. 311-313, Jorge Godinho, p. 1360, e Damião da Cunha, pp. 159-160). Embora enxertado naquele processo penal, o que está em causa neste procedimento, repete-se, não é já apurar qual- quer responsabilidade penal do arguido, mas sim verificar a existência de ganhos patrimoniais resultantes de uma ati- vidade criminosa . Daí que, quer a determinação do valor dessa incongruência, quer a eventual perda de bens daí decorrente, não se funde num concreto juízo de censura ou de culpabilidade em termos ético-jurídicos, nem num juízo de concreto perigo daqueles ganhos servirem para a prática de futuros crimes, mas numa constatação de uma situação em que o valor do património do condenado, em comparação com o valor dos rendimentos lícitos

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