TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

288 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL […] Como resulta do acima transcrito, são frequentes nestes instrumentos normativos de direito internacional e de direito da União Europeia as referências à possibilidade de inversão do ónus da prova ou, pelo menos, de tornar menos rigorosas as disposições em matéria de ónus da prova, no que se refere à origem dos bens que se encontrem na posse de uma pessoa condenada por determinados crimes relacionados com a criminalidade organizada, com a ressalva de tal tipo de medidas ser compatível com os princípios do seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos judiciais. Seguindo a tendência espelhada nestes instrumentos jurídicos internacionais, vários ordenamentos nacionais têm também adotado diversas medidas legislativas tendo em vista a prossecução destes objetivos. No que ora par- ticularmente interessa, importa realçar, no plano do direito comparado, algumas medidas destinadas a declarar a perda alargada (ou, para usar outra expressão que alguma doutrina entende ser mais rigorosa, o confisco alargado) de bens, com base numa presunção da origem ilícita dos mesmos (sobre alguns dos regimes de perda alargada de bens existentes no direito estrangeiro, cfr., em especial, Pedro Caeiro, ob. cit. , pp. 277-289, e João Conde Correia, ob. cit. , pp. 46 a 54; e ainda Augusto Silva Dias, ob. cit. , pp. 38-39; Jorge Dias Duarte, ob. cit. , pp. 147-151; e Jorge A. F. Godinho, ob. cit. , pp. 1320-1327). Em tais regimes jurídicos, por regra, para se proceder ao confisco alargado de bens, parte-se do pressuposto de que a condenação pela prática de certo tipo de crimes tipicamente geradores de elevados proventos, conjugada com a titularidade ou disponibilidade, por parte do condenado, de um património cuja origem não é explicável, fazem razoavelmente supor que tal património resulta da atividade criminosa do condenado. O funcionamento deste tipo de presunção opera, nalguns casos, conjuntamente com uma inversão do ónus da prova, incumbindo ao condenado provar a origem lícita dos bens em causa, fazendo-se depender, em alguns sistemas, o funcionamento da aludida presunção de um conjunto de pressupostos, como sejam, a necessidade de a acusação identificar o património, a sua desproporção com os rendimentos de origem lícita ou mesmo a sua conexão com uma qualquer carreira ou atividade criminosa. […] O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso Phillips contra o Reino Unido, em que estava em causa uma situação na qual, por força do referido Drug Trafficking Act de 1994, se presumia que os bens detidos pelo arguido no momento da condenação ou nos seis anos anteriores eram provenientes da prática de crimes, mais concretamente, do crime de tráfico de estupefacientes, por acórdão proferido em de 5 de julho de 2001 (acessível em http://www.echr.coe.int/ echr/), entendeu que a aludida presunção não violava o direito ao processo equitativo, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, uma vez que no caso mostravam-se assegurados os direitos de defesa, nomeadamente um processo judicial com audiência pública, notificação prévia do seu objeto e possibilidade de produção de provas documentais e orais, com vista ao afastamento da presunção. Referiu-se também que o artigo 6.º, n.º 2, da CEDH, onde se consagra a presunção de inocência do arguido em processo penal, sendo relativo à culpabilidade, não era aplicável ao procedimento previsto pelo Drug Trafficking Act de 1994 (sobre este acórdão, cfr., Augusto Silva Dias, ob. cit. , pp. 42; e Pedro Caeiro, ob. cit. , p. 319, Jorge Godinho, ob. cit. p. 1352 e seg. e Henriques Gaspar, em Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (direito penal e processual penal) 2001 , na RPCC, Ano 12, (2002), p. 291). […]” (itálicos acrescentados). Em particular, quanto à natureza das medidas previstas na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, pode ler-se, ainda, no citado Acórdão n.º 392/15 (entendimento retomado nos Acórdãos n. os 476/15 e 498/19): “[…] OTribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se […] sobre a conformidade constitucional da norma constante do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, ao estabelecer que, no caso de condena- ção pelo crime de lenocínio, para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, tendo-se pronunciado pela sua não inconstitucionalidade no Acórdão n.º 101/15 […]. Nos

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