TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
279 acórdão n.º 595/20 12. Além desse conteúdo, que naturalmente se mostra possível de interpretação óbvia, não se nos oferecem dúvidas que o arguido tinha sempre de ser notificado na morada do TIR, pelo menos por via postal simples. 13. Aliás, recebendo o mandatário do arguido a promoção e despacho referidos anteriormente (pontos 2 e 3), é mais que fundada a interpretação de que se ordenou a notificação do arguido. 14. Recorde-se que em causa está um pagamento de uma quantia avultada no valor de € 203 040,88 ao Estado Português, sob pena, de não o fazendo e passando o prazo, não mais o poder fazer, perdendo o arguido definitiva- mente os bens arrestados, nomeadamente a casa de morada de família. 15. Tanto assim é, que foi o próprio Tribunal a ordenar a notificação do arguido, que, contudo, apenas se cumpriu, por parte da secretaria, quanto ao seu mandatário. 16. Daqui inferimos que, ao contrário do que aconteceu, o arguido deveria ter sido notificado para o paga- mento voluntário e, só eventualmente, o mandatário também. 17. É certo que qualquer mandatário pode falar com o seu cliente no sentido de lhe transmitir o que recebe, contudo, esta é uma possibilidade que se pode ou não verificar, não podendo ficar os direitos de defesa e patrimo- niais do arguido disso dependentes – como o não estão em muitas outras situações prevista do CPP. 18. Aliás, foi o MP e o Tribunal, quem entendeu, e bem, ordenar a notificação do arguido A. para o pagamento. 19. Como o seu mandatário isso percebeu da leitura da promoção e despacho que recebeu. 20. Mas, ainda que assim não se entendesse, qualquer decisão ou notificação que imponha um determinado compor- tamento ao arguido, deve ser sempre notificado ao visado e não apenas ao mandatário. 21. Repare-se que, mesmo no caso das simples custas judiciais de final de processo são notificadas ao arguido e ao mandatário, sendo que, até neste caso, podem ser mais tarde pagas, mesmo decorrido o prazo. 22. O que não pode acontecer neste caso concreto. 23. Neste caso, existia uma ordem para efetuar uma determinada entrega em dinheiro ao Estado num certo prazo estabelecido, prazo esse improrrogável. 24. Em último caso, podemos sempre dizer que aqui não está em causa uma possível reação processual em que o mandatário possa agir em seu nome, zelando pelos seus interesses 25. Nunca poderia ser o mandatário o responsável por diligenciar quanto ao pagamento em questão – nomeada- mente saber qual a quantia, ou em que prazo, conseguiria o arguido disponibilizá-la. 26. Pelo contrário, é um ato de ingerência única e exclusiva do visado. 27. E este é um ato processual que o afeta direta e gravemente, seja na ação seja na omissão de comportamentos. 28. Afeta ativamente porque impõe uma conduta (ato de pagar) e afeta negativa e consequentemente, ao não haver cumprimento desse pagamento, pois perde os bens arrestados. 29. Estamos perante a imposição de uma conduta que visa única e exclusivamente o arguido e que só a si traz van- tagens e/ou desvantagens. 30. Como não deverá o arguido ser notificado de um ato em que é visado e acarreta consequências tão mani- festas e nefastas na sua ingerência pessoal? 31. Ao não ter sido notificado, o arguido não teve qualquer oportunidade de pagar voluntariamente ou, pelo menos, diligenciar nesse pagamento, vendo apenas declarada a perda dos bens a favor do Estado, sem nada poder fazer. 32. Se o arguido fosse disso notificado, teria diligenciado por todos os meios para efetuar, de que forma fosse, esse pagamento, nem que seja, recorrendo à via bancária ou de amigos e familiares. 33. Só que não foi. 34. Mais do que agilizar meios de liquidar a dívida, viu apenas declarados perdidos para o Estado os seus bens arrestados, que jamais conseguirá readquirir ou ser compensado do valor patrimonial e sentimental que tais bens possuem. 35. E foi neste momento, que o mandatário, notificado do despacho final que declarou os bens perdidos a favor do estado por falta de pagamento, pode reagir processualmente – via recurso – depois de consultar o processo e verificar que o arguido de não tinha sido notificado para fazer o já referido pagamento. 36. Por outro lado, ainda que se possa dizer que o ato em causa, o pagamento voluntário, é uma faculdade do arguido e que por isso se dispensa a sua notificação, o certo é que o Tribunal assim não o entendeu.
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