TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como logo se adiantou no final do ponto 11 do presente Acórdão, o resultado da apreciação da confor- midade constitucional desta segunda norma está intrinsecamente ligado ao resultado da apreciação da pri- meira. Uma apreciação positiva de inconstitucionalidade da primeira norma torna a segunda norma insub- sistente, conduzindo à inutilidade da apreciação da sua conformidade constitucional. Com efeito, o artigo 13.º, alínea f ) , do RD-LPF ao definir a força probatória dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, não determina, por si só, que dos factos contidos nesses documentos se extraiam, por via de presunções inilidíveis, factos desconhecidos cuja veracidade se revele incontestável. Efetivamente, a parte final do preceito admite que a presunção de veracidade do conteúdo dos documentos em causa apenas vale «enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa». Assim, o arguido terá, regra geral, a possibilidade de ilidir a presunção, designadamente por prova em contrário, através do exercício dos seus direitos de audiência e de defesa. Quanto a este aspeto, como o Tribunal já tem afirmado, «não é a simples previsão de uma presun- ção legal que comporta a violação do princípio agora em análise [princípio da presunção da inocência]. Como se afirmou também no já citado Acórdão n.º 135/09, não se questiona a possibilidade de o legislador, mesmo em matéria sancionatória estabelecer presunções. O que é intolerável é a existência de presunções inilidíveis em contexto sancionatório, quando reportadas à autoria da prática de infrações» (cfr. Acórdão n.º 338/18, da 3.ª Secção, ponto 16). 16. No entanto, o artigo 214.º do RD-LPF vem admitir a aplicação de uma sanção disciplinar sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido – o que torna virtualmente impossível o afastamento da presunção. Por conseguinte, a incontestabilidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, a verificar-se, apenas pode ser imputada à não admissão da audiência do arguido em momento anterior ao da edição do respetivo ato punitivo. A natureza inilidível da presunção assenta na impossibilidade de os factos serem contraditados antes da produção do ato punitivo porque o arguido não podia ser previamente ouvido sobre os factos imputados. Nesse âmbito, a norma do artigo 13.º, alínea f ) , apenas suscita problemas de conformidade com a Constituição quando aplicada no contexto do procedimento disciplinar sumário, por virtude da exceção ressalvada na primeira parte da norma contida no artigo 214.º do RD-LPF. Assim sendo, uma vez que se concluiu pela inconstitucionalidade material da norma que estabelecia a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF, inútil se torna a apreciação da segunda norma impugnada. Com efeito, sendo inconstitucional a referida norma, insubsistente se torna a interpretação normativa de que existia uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios de arbitragem e do delegado da Liga. Impondo a Constituição a audiência prévia do arguido, desaparece o segmento da norma que conduzia ao estabelecimento da presunção inilidível e sendo assim, prejudicada fica a utilidade de conhecimento da inconstitucionalidade da segunda norma. 17. Uma outra razão concorre ainda para concluir pela inutilidade do conhecimento da segunda norma. Constituindo o sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e defesa constante do artigo 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental, o de se dever considerar a falta de audiência do arguido como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa num processo disciplinar, de uma tal omis- são não pode deixar de resultar a nulidade do procedimento disciplinar em causa. E, sendo assim, impõe-se o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a audiência do arguido. Foi, de resto, também esse o resultado decisório a que chegou o tribunal a quo, designadamente ao declarar a nulidade da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que confirmou a decisão singular do Conselho de Disciplina de aplicação de uma multa à recorrente. Um resultado decisório que resulta desde logo confirmado pela inconstitucionalidade da norma que estabelecia a possibilidade de

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