TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

271 acórdão n.º 594/20 Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32.º-B do Projeto de Revisão Cons- titucional n.º 4/VII, do PCP; cfr. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República , II Série-RC, n.º 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541-544, e I Série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466)». No Acórdão n.º 338/18, da 3.ª Secção, ponto 14, o Tribunal voltou a afirmar: «No que diz respeito ao n.º 10 do artigo 32.º, referiu-se no Acórdão n.º 180/14 que o mesmo releva “no plano adjetivo e significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção contraordenacional ou adminis- trativa sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 363, e Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 160/04 e 161/04)». Em suma, e como se reconhece no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, os direitos de audiência – de ser efetivamente ouvido antes do decretamento da sanção –, e defesa – de apresentar a sua versão dos factos, juntar meios de prova e requerer a realização de diligências – constituem uma dimensão essencial tanto do processo criminal como dos processos de contraordenação como, finalmente, também de todos os processos sancionatórios. No caso dos processos sancionatórios disciplinares no contexto da função pública, a essen- cialidade dos referidos direitos de audiência e de defesa é reforçada ainda pelo artigo 269.º, n.º 3, da Cons- tituição. O sentido útil desta «explicitação constitucional do direito de audiência e de defesa é o de se dever considerar a falta de audiência do arguido ou a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2010, p. 841). Exigindo o n.º 10 do artigo 32.º da Constituição que o arguido nos processos sancionatórios não-penais ali referidos seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e alegando as suas razões, imperioso será concluir que uma norma que permita a aplicação de qualquer tipo de sanção disciplinar sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas se apresenta necessariamente como violadora da Constituição. 14. O processo sumário regulado no RD-LPF é um processo disciplinar. Visa punir o ilícito disciplinar com uma sanção disciplinar, tendo, portanto, natureza sancionatória. Nessa medida, encontra-se abrangido pelo âmbito de aplicação do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição. Sendo assim, inequívoco se afigura que a norma do referido Regulamento, que suprime o direito de audiência no âmbito do processo disciplinar sumário, contraria flagrantemente o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. Em face do exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade material da norma que estabelece a possibili- dade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da facul- dade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF, por violação do direito de audiência e defesa plasmado no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. ii) Apreciação da segunda questão de constitucionalidade 15. A segunda norma objeto do pedido é a norma do procedimento disciplinar sumário, que estabelece a presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, por impossibilidade de exercício dos direitos de defesa e audiência do arguido nesse contexto, que resulta da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f ) , com o artigo 214.º, ambos do RD-LPF.

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