TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
270 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Salvo o disposto no presente Regulamento quanto ao processo sumário, a aplicação de qualquer sanção disci- plinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido através da instauração do correspondente procedimento disciplinar.» A ressalva constante da parte inicial deste preceito foi interpretada pelo tribunal a quo, «atenta a siste- maticidade e a teleologia subjacente», no sentido de a garantia da audiência do arguido em momento prévio à tomada da decisão sancionatória se encontrar expressamente arredada da forma sumária do procedimento disciplinar. Mais se considerou, na decisão recorrida, que «a própria tramitação do processo sumário, descrita nos arts. 257.º a 262.º do RD, não comporta, nem permite acomodar qualquer momento em que o arguido, previamente à edição da decisão sancionatória, possa exercer o seu direito de defesa» (cfr. pp. 14 a 16 do acórdão recorrido). Em conformidade com a interpretação que fez do artigo 214.º do RD-LPF, o Tribunal Central Admi- nistrativo Sul, verificando que a recorrente A., SAD, fora punida sem que pudesse apresentar qualquer defesa na qualidade de arguida no processo disciplinar sumário que contra si foi instaurado, recusou a aplicação daquela norma na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da edição do ato punitivo, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa assegurados pelos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da Constituição. 13. Desde já se adianta merecer imediata adesão esta conclusão. A República Portuguesa, enquanto Estado democrático de direito, garante a existência de um processo disciplinar justo. Sendo um instrumento para apurar e punir infrações disciplinares, o processo disciplinar apresenta relações com o Direito Processual Penal, designadamente na medida em que se encontra também necessariamente subordinado a princípios e regras que assegurem os direitos de defesa. A Constituição assume aquela relação, no artigo 32.º, sob a epígrafe “garantias do processo penal”, ao assegurar, no n.º 10, as garantias do direito de audiência e defesa nos processos contraordenacionais e em «quaisquer processos sancionatórios». Esta norma constitucional foi introduzida pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios. De acordo com Germano Marques da Silva e Henrique Salinas «O n.º 10 garante aos arguidos em quaisquer processos de natureza sancionatória os direitos de audiência e defesa. Significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas. Neste sentido, entre outros, os Acs. n. os 659/06, 313/07, 45/08, e 135/09, esclarecendo-se ainda, no Ac. n.º 469/97, que esta exigência vale não apenas para a fase administrativa, mas também para a fase juris- dicional do processo» (cfr. Constituição Portuguesa Anotada , Jorge Miranda e Rui Medeiros (coord.), vol. I, Universidade Católica Editora, 2017, p. 537). Pronunciando-se sobre o sentido da garantia prevista no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o Tribunal Constitucional referiu no Acórdão n.º 135/09, do Plenário, ponto 7: «(…) [C]omo se sustentou nos Acórdãos n. os 659/2006 e 313/2007, com a introdução dessa norma constitu- cional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas esta- vam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao atual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tãosó ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defenderse das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr.
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