TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

27 acórdão n.º 751/20 VII – Segundo esta perspetiva, fundada na diferença constitucional entre a função legislativa e a função jurisdicional, não pode aceitar-se a ideia de que uma lei “genuinamente interpretativa” – porque se limita a consagrar um dos sentidos possíveis da lei interpretada – não seja lesiva das «expectativas seguras e legitimamente fundadas» dos seus destinatários e, por isso mesmo, caso trate de matéria fiscal, a respetiva retroatividade – tida como meramente “formal” – nem sequer esteja abrangida pela proibição do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição; consequentemente, a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fis- cais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. VIII– No caso da norma em apreciação no presente processo, nem sequer é necessário discutir se a proibição constitucional de leis interpretativas em matéria fiscal é, nos mesmos termos em que a previsão do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição tem sido interpretada pela jurisprudência constitucional, abso- luta ou admite exceções, fundadas seja na existência de uma controvérsia insanável com um lastro decisório estatisticamente significativo no âmbito de uma determinada ordem jurisdicional, seja na coincidência do sentido fixado pela lei interpretativa com o da jurisprudência dominante relativamen- te ao entendimento da lei interpretada – tal questão pode aqui ser deixada em aberto, uma vez que é muito reduzido o número de decisões de tribunais superiores ou de tribunais arbitrais tomadas antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016 relativamente à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003; acresce que as decisões conhecidas respei- tam à atividade de mediação de seguros, nomeadamente a comissões cobradas por operações de seguro entre instituições de crédito e instituições financeiras como as seguradoras – operações caracterizadas como não financeiras e descritas na verba 22 da Tabela Geral do Imposto do Selo; ora, a dimensão específica que está em causa no presente processo diz respeito às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos – uma operação financeira abrangida pela verba 17 da citada Tabela, e, como resulta claro da jurisprudência conhecida sobre a norma ora em apreciação, a questão do respetivo alcance apresenta-se de modo significativamente diferente consoan- te estejam ou não em causa operações financeiras, para efeitos daquela verba 17. Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio requerer, em conformi- dade com o disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Consti- tucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (“Lei do Tribunal Constitucional”), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma de tal n.º 7, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 7.º, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção prevista nesses preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos.

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