TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
269 acórdão n.º 594/20 portanto, de uma presunção suscetível de ser ilidida, designadamente por prova em contrário. A questão de constitucionalidade colocada não incide, portanto, sobre a interpretação isolada do artigo 13.º, alínea f ) , do RD-LPF. A norma cuja inconstitucionalidade é questionada resulta da interpretação conjugada deste preceito, no âmbito do processo disciplinar sumário, com a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF. Efetivamente, seria no contexto dos seus direitos de audiência e de defesa que o arguido poderia lograr ilidir a referida presunção. Na medida em que tal fase é afastada no processo sumário, torna- -se impossível afastar a presunção de veracidade – que se torna, assim, na interpretação do tribunal a quo, inilidível. Como o próprio recorrente reconhece nas suas alegações (conclusões 56 a 58) «Na verdade, a norma contida no mencionado artigo 13.º, alínea f ) , do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que define a força probatória dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, não determina, só por si, que dos factos contidos nesses documentos se extraiam, por via de quaisquer presunções inilidíveis, factos desconhecidos cuja veracidade se revele incontestável». Por conseguinte, «tal suposta incontestabili- dade factual, a reconhecer-se, apenas poderá ser imputada à, anteriormente apreciada, violação do direito de audiência e defesa plasmado no n.º 10, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, cuja inconstitucionalidade radica na interpretação normativa do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, também efectuada pelo douto tribunal a quo , no sentido da não admissão da audiência do arguido em momento anterior ao da edição do respetivo ato punitivo». É também este o sentido da norma do artigo 13.º, alínea f ) , do RD-LPF, isto é, «quando aplicada ao procedimento disciplinar sumário nos sobreditos termos» , que a recorrida A., SAD, reputa de inconstitu- cional, «por violação do princípio da presunção de inocência e do princípio da culpa, uma vez que os factos constantes dos relatórios de arbitragem e do delegado da Liga, na medida em que não podem ser contra- ditados antes da produção do ato punitivo, beneficiam de uma presunção inilidível, estando, na realidade, definitivamente fixados com a respetiva inserção nos aludidos relatórios. A atribuição normativa de presun- ção de veracidade aos factos suscetíveis de fundamentar a responsabilidade disciplinar do arguido – como se prevê no artigo 13.º, alínea f ) , do RD – representa uma restrição do direito à presunção de inocência (…) que só não acontecerá se ao arguido for dada a possibilidade de ilidir a presunção de veracidade antes de esta ser acionada para dar como provados factos suscetíveis de determinar a sua responsabilização disciplinar» [conclusões O e P das contra-alegações]. A segunda norma a sindicar é a consagração, no procedimento disciplinar sumário, da presunção ini- lidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, que resulta da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f ) , com o artigo 214.º, ambos do RD-LPF. Neste enquadramento, o resultado da apreciação da conformidade constitucional da segunda norma estará, portanto, necessariamente dependente da apreciação da primeira. Uma apreciação positiva de incons- titucionalidade da primeira torna a segunda norma insubsistente, prejudicando, nessa medida, a utilidade da apreciação da sua conformidade com a Constituição. C. Do mérito i) Apreciação da primeira questão de constitucionalidade 12. Vejamos, então, em primeiro lugar, a norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF. Esse preceito, como já referimos, sob a epígrafe “Obrigatoriedade de audição do arguido” dispõe:
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