TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – O caráter interpretativo atribuído à determinação, em 2016, de uma associação necessária da isenção prevista em preceito vigente desde 2003 a certas garantias e operações financeiras, com exclusão de outras, implica que tal exclusão abranja também garantias prestadas e operações financeiras realizadas antes de 2016: ainda que as mesmas tenham sido consideradas isentas, e a menos que os efeitos de tal isenção se devam considerar salvaguardados nos termos da parte final do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil ( v. g. por sentença transitada em julgado), tais garantias e operações passam a dever ser tributadas de acordo com o sentido legalmente fixado sobre o alcance da isenção. IV – A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: por contraposição à lei inovadora, aquela visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato normativo anterior; está em causa uma manifestação da mesma competência legis- lativa que é fonte em sentido orgânico do ato interpretando, e por ser de valor igual a este último, a lei interpretativa determina-lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção herme- nêutica de tal interpretação; por isso, a interpretação da lei fixada pelo próprio legislador – a chamada “interpretação autêntica” – «vale com a força inerente à nova manifestação de vontade» do respetivo autor; daí a lei interpretativa se integrar na lei interpretada. V – De acordo com certa conceção, pode falar-se de uma retroatividade meramente formal inerente a toda a lei – tida por “verdadeiramente” ou “genuinamente” – interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior – cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas»; diferentemente, se a lei nova se pretende apli- car a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior – qualificando-se já não como lei interpretativa, mas sim como lei inovadora –, será substancial ou materialmente retroativa; nesta perspetiva, e tendo em conta a ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, relevará, então, que a lei verdadeiramente inter- pretativa é apenas formalmente retroativa, uma vez que se limita a declarar o direito preexistente; ao passo que a lei autoqualificada como interpretativa mas que em boa verdade seja inovadora se deva considerar como material ou substancialmente retroativa, porquanto, ao modificar o direito preexis- tente, constitui direito novo. VI – Do ponto de vista do direito constitucional, e no que se refere à interpretação da lei, não pode abs- trair-se das diferenças orgânicas e funcionais entre legislador e julgador; a atividade hermenêutica do legislador e dos juízes é essencialmente diferente, tornando-se necessário distinguir a interpretação legislativa da interpretação judicial, quer quanto ao seu fundamento, quer quanto ao seu processo: a exclusão ou imposição de uma ou mais interpretações de certa norma legal já realizadas – ou cla- ramente admissíveis – por determinação de uma lei posterior limita o alcance da primeira; daí que a interpretação ou esclarecimento formalmente consagrados pela lei nova não possam deixar de reves- tir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei revista igualmente um caráter material ou substancial; os resultados da interpretação legal e da interpretação judicial são expressões de atividades constitucionalmente distintas e que, por conseguinte, também se regem por diferentes parâmetros constitucionais.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=