TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
254 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O que no caso em apreço se procura saber é se essa norma de sanção, quando aplicável a uma pessoa coletiva que vio- lou de forma negligente o dever de afixação do aviso impresso de proibição de venda a menores no local onde se encontra uma máquina de venda automática de tabaco, constante do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 37/2007, constitui um meio adequado, necessário e proporcional para fazer face às finalidades da coima. Enquadrando-se no âmbito da limitação de direitos fundamentais, maxime do direito de propriedade, as coi- mas apresentam-se como suscetíveis do teste jusfundamental material, consubstanciado sobretudo no princípio da proibição do excesso, com os seus postulados da adequação, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Assim, a determinação da coima aplicável, expressa sob a forma de um “mínimo” e de um máximo”, coloca questões de proporcionalidade: ao associar uma coima a uma conduta, o legislador expressa o que entende ser, de algum modo, a gravidade absoluta dessa conduta, ao mesmo tempo que sopesa a gravidade relativa dessa conduta no confronto com outras punidas no mesmo (ou até diferente) âmbito contraordenacional. É certo que as pon- derações do legislador na fixação de uma determinada escala de gravidade de contraordenações são marcadas por um elevado grau de subjetividade, pois tem que se reconhecer que nenhuma específica medida de sanção se perfila como a única possivelmente apropriada. Mas isso não significa, contudo, que a medida de desaprovação expressada por uma coima não deva ser ancorada em elementos racionais ou não tenha que ser testada materialmente pela teoria das restrições jusfundamentais. Como referimos, é jurisprudência do Tribunal Constitucional que são merecedoras de censura as opções legislativas que cominem sanções manifesta e claramente inadequadas à gravidade dos comportamentos puníveis. De modo que a estatuição legal da moldura de coima para um ou para um conjunto de tipos contraordenacionais deve considerar as necessidades preventivas e admonitórias do Estado e conter-se dentro dos limites que os direitos, liberdades e garantias lhes traçam proibindo sanções excessivas. 10 . O objetivo específico face ao qual se concretiza o teste da proporcionalidade é a proteção do bem jurídico saúde. A norma do n.º 2 do referido artigo 15.º, ao exigir que os vendedores de produtos do tabaco, de forma visível e desta- cada, afixem no ponto de venda um aviso de proibição da venda de tabaco a menores e, em caso de dúvida solicitem aos compradores que comprovem, pelos meios apropriados, que já atingiram a idade de 18 anos, não pode deixar de visar proteger a saúde desses jovens. A proteção do bem jurídico saúde está constitucionalmente consagrada a vários títulos: o direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover – artigo 64.º; o direito dos consumidores à proteção da saúde – artigo 60.º, n.º 1; o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde” – artigo 59.º, n.º 1, alínea c) , da Lei Fundamental. Não obstante a inserção do direito à proteção da saúde no âmbito dos direitos económicos, sociais e culturais, tem-se realçado o seu desdobramento numa vertente positiva – direito a prestações do Estado – e numa vertente negativa – direito subjetivo a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico “saúde”. Neste sentido, em anotação ao artigo 64.º da Constituição, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira que: “Tal como muitos outros «direitos económicos, sociais e culturais», também o direito à proteção da saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas. No primeiro caso, está-se no domínio dos direitos de defesa tradicionais, compartilhando das correspondentes características e regime jurídico; no segundo caso, trata-se de um direito social propriamente dito, revestindo a correspondente configuração constitucional.” (in Constituição da República Portuguesa Anotada ”, 4.ª edição, Volume I, Coimbra, 2007, p. 825). A vertente negativa do direito à proteção da saúde interliga-se assim com outros princípios e direitos funda- mentais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida e o direito à integridade pessoal (neste sentido, Rui Medeiros, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada ”, Tomo I, p. 653). Admitindo-se esta conexão, pode considerar-se que o bem jurídico protegido pelas normas do artigo 15.º n.º 2, e 30.º n.º 1, alínea e) da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto «situa-se numa zona de sobreposição do direito à saúde com o direito à integridade física» (Acórdão n.º 423/08).
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