TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

249 acórdão n.º 592/20 A ampla liberdade de conformação que neste domínio é reconhecida ao legislador tem justificação na diferente natureza do ilícito, que dá origem a um sistema punitivo próprio, com espécies de sanções, procedi- mentos punitivos e agentes sancionadores distintos do ilícito penal. Tais ilícitos não se distinguem apenas pelo diferente tipo de cominação – uma coima ou uma pena – mas também por um critério material que atende à diferença de bens jurídicos protegidos e à diferente ressonância ética dos ilícitos. E por isso, se o direito das contraordenações não deixa de ser um direito sancionatório de caráter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsa- bilidade pela contraordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância repre- senta em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização” (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal , pp. 150-151, da edição de 2001, da Coimbra Editora). A liberdade de conformação da moldura sancionatória tem, porém, por critério e limite o princípio da pro- porcionalidade. Na medida em que as coimas são medidas que afetam negativamente direitos patrimoniais, a sua cominação não pode deixar de obedecer às exigências do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2.º (ou consagrado no artigo 18.º, n.º 2) da CRP. Para além da adequação e exigibilidade da sanção contraordenacional, assume particular relevância a proporcionalidade em sentido estrito (ou princípio da justa medida) no estabeleci- mento da moldura sancionatória, pois as sanções mais graves devem ser aplicáveis às contraordenações mais graves, e as menos graves às contraordenações mais leves. De modo que são merecedoras de censura opções legislativas que cominem sanções desadequadas ou manifestamente desproporcionadas à natureza dos bens a tutelar e à gravidade da infração que se destina a sancionar ou cujo montante se revele inadmissível ou manifestamente excessivo. Nesse sentido, pode ler-se no Acórdão n.º 574/95: «Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou mani- festa e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cfr., identicamente, os Acórdãos n os 13/95 ( Diário da República , II Série, de 9 de fevereiro de 1995) e 83/95 ( Diário da República , II Série, de 16 de junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é – no dizer de Figueiredo Dias ( Direito Penal II, 1988, policopiado, p. 271) – ”uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social”, aqui, não faz exigências tão fortes. De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais – para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social». Na sequência deste entendimento, importa, pois, verificar se o montante mínimo fixado em € 15.000 para san- cionar a falta de aviso impresso de proibição de venda a menores de produtos de tabaco, por uma pessoa coletiva, a título de negligência, é (ou não) desproporcionado. 6. O fim normativo prosseguido pela Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto, é a proteção da saúde das pessoas, em geral, e dos trabalhadores, em particular. É o que, desde logo, resulta do artigo 1.º, na definição do respetivo objeto: «estabelecendo normas tendentes à prevenção do tabagismo (…) de modo a contribuir para a diminuição dos riscos ou efeitos negativos que o uso do tabaco acarreta para a saúde dos indivíduos».

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