TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

207 acórdão n.º 587/20 43. O não conhecimento da questão da caducidade – que diz respeito à segunda questão de constitucionali- dade aqui colocada pelo recorrente – fica, de certa forma, dependente, da interpretação das normas relativamente ao encerramento do procedimento contraordenacional. 44. Aliás, esta ideia de dependência do conhecimento da segunda das questões de constitucionalidade da pri- meira é até assumida pela própria Venerada Juíza Conselheira em sede de Decisão Sumária, quando determina que a razão pela qual o “Tribunal recorrido não conheceu «da caducidade da decisão da autoridade administrativa», cir- cunstância que integra a segunda das normas impugnadas (…) prende-se exclusivamente, de acordo com o mesmo Tribunal, com o efeito preclusivo desencadeado pelo caso julgado formado pelo acórdão datado de 6 de março de 2014.” (cfr. p. 64 da Decisão Sumária) 45. Por tudo quanto se disse, não poderá razoavelmente afirmar-se que não houve uma aplicação, ainda que implícita, na decisão recorrida, das normas cuja inconstitucionalidade se suscitou. 46. Como refere, Carlos Blanco de Morais[3], o pressuposto de admissibilidade de aplicação efetiva da norma, já supra mencionado, não pressupõe que esta aplicação seja expressa, podendo ser implícita. 47. É também este o entendimento da jurisprudência constitucional – veja-se os Acórdãos do Tribunal Cons- titucional n.º 445/99[4] ou n.º 401/2014[5]. 48. Equivalem a uma aplicação implícita, de acordo com o mesmo Autor, os casos “(…) em que a sentença, pese o facto de não fazer qualquer alusão à norma, não poderia deixar de a ter aplicado , já que não poderia ter logica- mente decidido ou decidido de uma determinada maneira, sem proceder à sua convocação como fundamento da decisão”[6]. (destaque nosso) 49. É esta igualmente a posição adotada pelo Tribunal Constitucional – vide o Acórdão n.º 466/91[7]. 50. Foi precisamente isto que sucedeu com o Acórdão do TRL: não há forma lógica de dizer que não se pode conhecer de uma questão em virtude de uma determinada decisão se encontrar transitada em julgado e, por isso, o tribunal considerar não ter poder cognoscitivo sobre a matéria sem se estar a aplicar determinadas normas relativas ao momento em que o procedimento contraordenacional encerra num determinado sentido. 51. Ademais, e de qualquer modo, o não conhecimento de uma questão pelo tribunal recorrido não poderia nunca impedir, no presente caso, o Tribunal Constitucional de apreciar o objeto do recurso apresentado por B., sob pena de ficarmos num “limbo” ou numa espécie de “zona cinzenta” de desproteção da garantia constitucional do acesso à justiça. 52. Uma interpretação de tal maneira restritiva dos requisitos de admissibilidade do recurso como aquela que é apresentada na Decisão Sumária, põe, portanto, não só em causa de modo inadmissível o direito de acesso à justiça do Recorrente, e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, como não tem paralelo na jurisprudência constitucional. 53. De facto, não é razoável, sendo contrário aos princípios subjacentes à fiscalização concreta da constitucio- nalidade, que o Tribunal Constitucional possa escusar-se a avaliar da conformidade com a Constituição de uma norma ou de uma interpretação normativa apenas porque a decisão recorrida aplicou apenas implicitamente a norma, não mencionando expressamente a mesma, porque decidiu não conhecer das questões concretamente colo- cadas, não conhecimento que, por sua vez, decorre naturalmente de uma certa interpretação das referidas normas. 54. Poderia até o Tribunal Constitucional vir a considerar – no que não se crê e não se concede – que as normas trazidas à sua apreciação pelo Recorrente, na interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão do TRL, não seriam desconformes com a CRP. 55. No entanto, não crê o recorrente que possa este vir decidir pelo não conhecimento do objeto do recurso por considerar que as normas não foram efetivamente aplicadas, quando o Acórdão do TRL, ao não conhecer das questões concretamente suscitadas pelo Recorrente, aplicou claramente, pelo menos implicitamente, as normas num certo sentido interpretativo – que se crê contrário à CRP – e que depois foi trazido à colação para apreciação do Tribunal Constitucional. 56. O recorrente indicou claramente, no requerimento de interposição de recurso apresentado perante o Tri- bunal Constitucional em 29.07.2019, as normas que pretendia ver apreciada em conformidade com Constituição, e que constituíram, sem margem para dúvidas, a ratio decidendi do Acórdão do TRL.

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