TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
206 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL apresentado por B. relativamente à Sentença do Tribunal de Primeira Instância de 08.06.2018, com exceção da questão da reformulação do cúmulo jurídico das sanções. 31. Foi também este o entendimento que serviu de base à própria Sentença de 08.06.2018, do Tribunal de Primeira Instância, o qual, chamado a decidir das questões sobre (i) o poder jurisdicional para decidir do cúmulo jurídico das coimas aplicadas, (ii) a aplicação do princípio ne bis in idem , (iii) a prescrição do procedimento, e (iv) a caducidade, espécie e medida da sanção, considerou que o seu poder jurisdicional estava limitado à realização da operação do cúmulo jurídico das sanções, tendo decidido não conhecer das matérias relativas ao ne bis in idem e à prescrição do procedimento, por considerar que esse estaria terminado. 32. Foi precisamente por isso que o Recorrente, no recurso apresentado relativamente a esta Sentença, suscitou as questões da pendência do procedimento contraordenacional em caso de não existir ainda decisão definitiva e exequí- vel, e bem assim da aplicação do princípio ne bis in idem atendendo à existência de decisões anteriormente tornadas definitivas sobre os mesmos factos, e da caducidade da decisão da CMVM com o trânsito em julgado da decisão de não pronúncia proferida no processo crime e absolvição no processo de contraordenação do Banco de Portugal. 33. Como se viu, o Acórdão do TRL, à semelhança da sentença do Tribunal de Primeira Instância, apenas conheceu da reformulação do cúmulo jurídico das sanções, por considerar que, quanto às restantes questões, se tinha esgotado o seu poder jurisdicional, dado o caso julgado formado pelo trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.03.2014. 34.Como se pode ver, a pendência do procedimento contraordenacional constituiu assim o cerne da decisão do Acórdão do TRL, bem como das decisões que o antecederam. 35. De facto, o não conhecimento das questões colocadas à apreciação desse Tribunal da Relação, na decisão recor- rida, bem como nas decisões precedentes, implica a assunção de um entendimento e, portanto, de uma interpretação normativa das normas que agora se colocaram à apreciação doTribunal Constitucional, de que o procedimento contraor- denacional encerra com o trânsito em julgado de uma decisão condenatória não definitiva e não exequível. 36. É, assim, por demais evidente que as instâncias tiveram forçosamente de aplicar as normas cuja inconstitu- cionalidade se suscita para decidir não conhecer das questões suscitadas. 37. E nem se diga que não está aqui em causa uma interpretação normativa, mas antes um juízo efetuado pelo tribunal a quo. 38. As interpretações normativas têm de resultar – explícita ou implicitamente – de decisões concretas, pelo que é evidente que está sempre em causa sindicar um juízo que é formulado numa concreta decisão. 39. E se é assim quando um tribunal decide uma questão, tanto mais o é quando o não decide com base na argumentação através da qual se eximiu de conhecer das questões objeto do recurso de B. – mas também dos res- tantes recorrentes. 40. Considerar-se que já não se pode conhecer de uma questão em virtude de se considerar que transitou em julgado uma determinada decisão, significa obviamente a adoção de uma interpretação normativa que as instân- cias, e, em última análise, o Acórdão do TRL, fizeram relativamente à norma constante dos artigos 58.º, n.º 2, alínea a) e 79.º, n.º 1, 89.º, n.º 2 do RGCO e 468.º do CPP. 41. De facto, as instâncias, e o Acórdão do TRL, adotaram, ainda que através de uma omissão – pode assim dizer-se – uma interpretação normativa das referidas normas no sentido de que o procedimento contraordenacio- nal se encontra encerrado desde o trânsito em julgado de uma decisão condenatória não definitiva e não exequível, i. e. , desde 27.03.2015, data do trânsito em julgado do Acórdão de 06.03.2014, tendo isso efeitos sobre o poder cognoscitivo dos tribunais. 42. E, em consequência da posição adotada, as instâncias, e, em última análise, o Acórdão do TRL, estão naturalmente também aplicar a norma resultante do artigo 82.º, n.º 2 do RGCO ( ex vi artigo 407.º CVM), interpretada num certo sentido, pelo menos de forma implícita, pois se não pode o tribunal recorrido conhecer da questão de saber se o procedimento efetivamente encerrou com uma decisão condenatória não definitiva e não exequível, também não poderão conhecer da questão da caducidade, pois consideram ter-se esgotado o seu poder jurisdicional para tal – o que tem por base o entendimento de que o procedimento efetivamente encerrou apesar de não existir uma decisão definitiva e exequível.
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