TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
201 acórdão n.º 587/20 E. Esta decisão de não conhecimento da questão prévia sobre a violação do princípio ne bis in idem pelo Tribunal da Relação foi, aliás, fundamentada, tendo sido justificado que o conhecimento de tal questão implicaria a «violação do caso julgado e dos poderes jurisdicionais do Tribunal», os quais, de acordo com o Acórdão Recorrido, se encontravam esgotados após o alegado trânsito em julgado do primeiro acórdão do Tribunal da Relação de 6 de março de 2014. F. Assim, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não conhecer da questão da violação do princípio ne bis in idem , constitui uma decisão em sentido próprio, a qual, no final de contas, violou os princípios consti- tucionalmente consagrados e conduziu à interpretação e aplicação de normas legais num sentido contrário à Constituição, nos termos sustentados no Recurso de Constitucionalidade. G. Esta interpretação do Tribunal da Relação não pode, pura e simplesmente, ser subtraída do controlo da constitu- cionalidade, uma vez que tal equivaleria a impedir, em qualquer caso, a apreciação da constitucionalidade de todas as normas quando, na concreta interpretação que fosse feita de tais normas, se concluísse que a interpretação em causa se reconduzia a uma questão prévia ou instrumental, face à questão principal a decidir nos autos. H. Pelo exposto, resulta evidente que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não conhecer da questão atinente à violação do princípio ne bis in idem não foi excluída do thema decidendum do Acórdão Recorrido, pelo que não assiste razão à Decisão Sumária quanto a este ponto, I. Em segundo lugar, também não se pode concordar com a apreciação feita na Decisão Sumária no sentido de que as questões de constitucionalidade suscitadas no recurso do Recorrente, sobre o qual veio depois a recair o Acórdão Recorrido, já tinham sido anteriormente decididas por acórdão transitado em julgado. J. Por um lado, no acórdão «transitado em julgado» a que se reporta a Decisão Sumária - que corresponde ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de março de 2014 e que confirmou a imputação dos factos e contra-ordenações da sentença da primeira instância – não foram decididas as mesmas questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente no recurso sobre o qual recaiu o Acórdão Recorrido. K. As questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente no recurso sobre o qual decidiu o Acórdão Recorrido prendem-se essencialmente com a violação pela Sentença Recorrida do princípio ne bis in idem . L. Ora, o fundamento de tais questões de constitucionalidade teve por base a prolação de duas decisões finais proferidas no processo de contra-ordenação 1453/10.TFLSB e no processo – crime n.º 7327/07.9TDLSB, que transitaram em julgado em 26 de junho de 2015 e em 14 de julho de 2016, respetivamente, e que, conforme bem identificam e reconhecem a Sentença Recorrida e o Acórdão recorrido, tiveram por objeto o julgamento dos mesmos factos que foram apreciados nos presentes autos. M. Se as decisões finais no processo de contra-ordenação e no processo crime que o recorrente indicou como fundamento da violação do princípio ne bis in idem são posteriores à prolação do Acórdão de 6 de março de 2014, é evidente que a questão relacionada com a violação deste princípio que foi suscitada pelo recorrente não poderia já ter sido anteriormente decidida nesse acórdão, N. Por outro lado, o referido Acórdão de 6 de março de 2014 nem sequer transitou verdadeira e materialmente em julgado. O. Este Acórdão de 6 de março de 2014 do Tribunal da Relação de Lisboa não encerrou uma decisão condena- tória final, firme e completa, desde logo, porque não se encontravam ainda determinadas as coimas únicas e as sanções acessórias em que os arguidos foram condenados, P. Tanto assim é que a decisão proferida nesse acórdão não configura uma decisão executória, tendo ficado ainda pendente a decisão sobre a reformulação do cúmulo jurídico, que só veio a ser proferida mais tarde, em 2018, com a prolação da Sentença Recorrida. Q. Apenas com o eventual trânsito em julgado da decisão sobre a reformulação do cúmulo jurídico proferida na Sentença Recorrida é que se poderá considerar que este processo está total e definitivamente findo e que há caso julgado material. R. Tanto o Tribunal de Primeira Instância, como o Tribunal da Relação de Lisboa, atribuíram – erradamente – a eficácia de caso julgado material à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de março de 2014, quando esta, quando muito, apenas teria eficácia de caso julgado formal.
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