TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
183 acórdão n.º 566/20 Trata-se em tais casos de um disfarce da retroatividade substancial dessa lei. E, “quando não existe norma de hierarquia superior que proíba a retroatividade, tal qualificação do legislador deve ser aceite para efeito de dar a tal disposição um efeito equivalente ao de uma lei interpretativa, nos termos do artigo 13.º [do Código Civil]” (v. Autor cit., ibidem , p. 245). Porém, existindo uma norma superior que proíba a retroatividade (substancial), importará determinar se a lei nova reveste caráter inovador ou não, visto que, se a nova lei constituir direito novo, violará necessariamente a aludida proibição de retroatividade.» Se é certo que uma “verdadeira” norma interpretativa produz, por natureza, efeitos retroativamente, por se aplicar a factos e situações passadas, essa deve ser considerada uma retroatividade meramente formal. Nesse caso, como não existe modificação substancial do conteúdo normativo, pretendendo-se apenas «consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar», não existe a suscetibilidade de violação das legítimas expectativas dos cidadãos (Acórdão n.º 267/17, da 2.ª Secção, ponto 7) – nem, em rigor, existe uma situação de retroatividade em sentido próprio. Encontramos- -mos, portanto, fora do domínio da proibição constitucional de retroatividade fiscal. No entanto, se a norma aprovada se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados, prescrevendo um regime novo, distinto do vigente, então estamos perante uma verdadeira situação de retroatividade (material ou substancial). Nesses casos, a classificação como “norma interpretativa” dada pelo legislador representa, afinal, a imposição de um efeito retroativo à nova lei, atuando exclusivamente razões ou critérios de oportu- nidade politico-legislativa. Estas normas criam uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários da norma alegadamente interpretada (mas na realidade alterada) não podiam contar, gerando uma frustração da confiança depositada na manutenção da solução que a lei interpretada consagrava. Como referido no Acórdão n.º 267/17, da 2.ª Secção, ponto 7, «Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo.» Efetivamente, neste último caso, os cidadãos que se comportaram no passado de acordo com o que consideravam ser o enquadramento jurídico vigente, serão confrontados com uma modificação inovatória desse regime que afeta factos e situações passadas. É exatamente para impedir essas situações que o legislador constituinte determinou a regra da proibição da retroatividade no âmbito fiscal, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Sendo esta proibição um afloramento do princípio da tutela da confiança, a verdade é que o legislador constituinte, ao determinar que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroativa» formulou uma regra absoluta de proibição de normas retroativas nesse domínio – se verdadei- ramente retroativas – afastando juízos de ponderação. Nesse contexto, não podem subsistir dúvidas de que a proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição abrange as leis que apenas formalmente foram classificadas de interpretativas. 16. Segundo a decisão recorrida, apesar de o legislador classificar a norma em apreciação como mera- mente interpretativa, ela apresenta-se como sendo verdadeiramente inovadora. Assim, considerou que, ao definir a nova redação da verba 17.3.4., dada pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, como mera interpreta- ção, através do artigo 154.º da mesma Lei, o legislador está a impor retroativamente novos encargos fiscais. Em consequência, o tribunal a quo recusou a aplicação «daquele artigo 154.º, bem como da nova redação da verba 17.3.4.». Concretamente, entendeu o tribunal recorrido, no ponto 3.3.2. da decisão, que, face a redação vigente em 2014, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas automáticas em operações com cartões bancários, não eram enquadráveis na verba da TGIS, atinente a “Outras comissões e contrapresta- ções por serviços financeiros”. Consequentemente, entendeu que que a norma a que foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, e inovadora, pelo que as alterações introduzidas pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016 à verba 17.3.4., não poderiam ser aplicadas ao caso em apreciação, por
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